Rádio Freamunde

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sábado, 14 de agosto de 2010

Teve que se acabar com o Refeitório:


A cadeia feminina de Tires estava superlotada, era preciso transferir para outras cadeias, várias reclusas, para a de Felgueiras vieram vinte. Não tínhamos mais lugares. Para alocatar estas teve que se acabar com o refeitório e passar a camarata. No corredor do piso do rés-do-chão improvisou-se o refeitório. A cadeia a partir daqui ficou com o dobro dos problemas. Quase todos os dias de manhã quando chegava ao serviço tinha reclamações das guardas, quando não era das guardas, era das reclusas. Diziam que algumas colegas (reclusas) eram umas porcas, que lhes faltava perfumes, batom e outras mais, havia sempre reclamações. Havia uma que era manca, tinha uma perna mais pequena que a outra, andava sempre a discutir e a falar mal das colegas, o que criava um mau ambiente. O que lhe faltava na perna sobrava-lhe na língua.
Lutava com a falta de guardas femininas se uma metesse atestado médico tinha que telefonar a outra guarda que estava de folga para fazer o turno da noite na parte diurna ia-se remediando. Alternadamente convocava uma e tinha que a avisar logo de manhã, as guardas eram de bastante longe. Quando a guarda tinha de se deslocar a qualquer sítio ou ia almoçar era eu que a rendia. As reclusas sabiam de antemão que fora das celas tinham de andar trajadas decentemente ia várias vezes à zona prisional para me inteirar do serviço e não as queria ver com trajes íntimos. Não era autorizado o uso do calção de perna, um dia propus à Directora para que fosse autorizado. Achava mais decente, naquele ambiente, que a minissaia. Foi autorizado. O facto da minha proposta era devido a que quando as reclusas vinham para o recreio e como era em frente à Portaria, havia guardas masculinos, que as espreitavam e algumas estavam descompostas outras faziam de propósito. Não era que não merecessem ser espreitadas mas estávamos numa casa onde devia imperar o respeito. É como disse mais acima, “onde se ganha o pão….” Um dia o Subdirector Geral, Celso Manata, fez uma visita surpresa à cadeia, fiz um telefonema para a Cadeia de Guimarães a avisar a Técnica de Educação, estava a substituir a Directora - estava de férias – para ali se deslocar que o Subdirector Geral necessitava de falar com ela. Na visita à cadeia e sempre que o Subdirector Geral perguntava se tudo estava bem, a Substituta da Directora, dizia, está tudo bem. Já não aguentava mais e para mais a guarda que nos acompanhava era a que tinha convocado de manhã para se apresentar ao serviço - tinha faltado uma e só havia outra para o serviço. Fui obrigado a intervir para dizer que não estava tudo bem. Que a guarda que nos acompanhava estava esse dia de folga só entrava ao serviço ao outro dia e de manhã tive de telefonar para casa dela em Leiria, para se apresentar ao serviço - antes tinha dado conhecimento à Substituta da Directora. Quando foi à camarata - onde era o refeitório - a maioria das reclusas encontravam-se ali, o Subdirector Geral disse quem tivesse problemas para os colocar e como nenhuma falava pedi autorização para sair - disse talvez a minha presença as atrapalhasse. De imediato uma reclusa disse, não saia, porque do Sr. Subchefe nada temos a dizer, pelo contrário. Há palavras que sabe bem ouvir.
Havia reclusas que tinham os maridos presos na cadeia de Paços de Ferreira, estavam autorizadas a duas vezes por mês ali se deslocar para os visitar. Nos dias da visita tinha-se que ir por duas vezes à cadeia de Paços de Ferreira, só tínhamos uma viatura celular e as reclusas eram muitas. Havia uma – a tal problemática - que dizia, lá vamos ao boi - referia-se ao que faziam os lavradores quando levavam a vaca ao boi, para a emprenhar. Havia reclusas com todo o tipo de crimes; homicídio, lenocínio, tráfico de droga, assaltos, furtos, cheques sem cobertura, infanticídio – havia uma que matou o filho ainda bebé e o deu a comer aos porcos para esconder o crime - estava sempre a reclamar por não beneficiar de saídas precárias, enquanto prestei ali serviço nunca beneficiou. Dos mais mediáticos, a Malha branca, o assassínio do guarda-redes do Futebol Clube Tirsense, Reis, da morte do
ex-polícia e esposa, retalhado e colocado nas malas de viagem, etc.
Numa visita inesperada do Director Geral, Marques Ferreira, depois de falar com a maioria das reclusas veio para a Portaria falar com a Corporação de Guardas e quando um guarda lhe pôs certos problemas, sentou-se em cima da secretária, que ali se encontrava, dando um mau exemplo, pensei para comigo não vamos longe com este tipo de gente. Foi para o E. P. R. Guimarães para outra visita. Passado algum tempo recebo uma chamada telefónica da Directora a incriminar-me porque não a avisei que ele se dirigia para lá. Disse-lhe que o Director Geral não me tinha dito para onde ia. Mesmo que soubesse não lhe telefonava, entendo que estas visitas devem ser secretas para se ver alguns podres.
Os filhos das reclusas iam diariamente para o infantário de Santa Quitéria havia um protocolo para esse efeito. Todos os dias ia uma reclusa levá-los e trazê-los a um sítio e hora combinada onde passava o autocarro. Tivemos a colaboração da Irmã Teresa, que prestava assistência espiritual às reclusas.

Continua

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