A alimentação era confeccionada na cozinha da Cadeia. Havia duas
reclusas cozinheiras, quatro faxinas para lavar a loiça e descascar batatas,
etc. e etc.. Os géneros alimentícios todas as sextas-feiras ia o Guarda Motorista
com a viatura celular à Manutenção Militar buscá-los. Vinham acompanhados com
todos os pormenores. Ementa diária, peso que se devia colocar, até ao último
grama. Como não havia hipótese de estar a conferir tudo ao pormenor quando se
chegava a quinta-feira havia falta de alguma coisa. Se não era azeite, era
arroz, se não fosse massa, era as batatas. Como não tínhamos fundo de maneio
para estas situações, era do meu bolso que saía o dinheiro, por várias vezes
coloquei a situação à Directora, tendo-me sido dito que o que vinha da
Manutenção Militar tinha de chegar. Triste vida de um Subchefe de Guardas que
tem de servir para tudo.
Passou a ser uma empresa privada a confeccionar a alimentação (Unisef).
Estes problemas desapareceram, vieram outros. O responsável pela cozinha passou
a ser um cozinheiro, funcionário da empresa, sendo ajudado por algumas reclusas
que já trabalhavam na cozinha. O comer passou a ser em menor quantidade. Havia
reclusas que o médico receitou dieta, o comer era quase igual, ponham-me o
problema. Punha o problema ao cozinheiro. Dizia que era o entendido e que tinha
tirado um curso de nutricionista.
As reclusas ameaçavam que um dia lhe davam com o prato da comida na
cara, disse a várias, se o fizessem era o mesmo que o fazer a mim. Com isto ia
segurando o ambiente. Quando se soube que o cozinheiro era homem, receamos, ia
passar a maior parte do tempo com mulheres (reclusas) e ia-nos causar algum
problema. Tivemos sorte! Era todo efeminado.
Como disse, entendo que entre dois a quatro anos devíamos ser transferidos.
Encontrava-me no Cadeia de Felgueiras ia fazê-los. Estava a ficar saturado de
ver sempre as mesmas caras. No aniversário da Cadeia foi convidado o Director
do E. P. Paços de Ferreira, Dr. Eugénio Coelho. Quando me encontrou
perguntou-me? Quando vai para Paços de Ferreira! Respondi-lhe: - Estou farto de
estar aqui qualquer dia peço a transferência. Disse-me que havia um Subchefe de
Guardas em Paços de Ferreira que tinha problemas e devia estar interessado em
trocar comigo. Que não se opunha. Pelo contrário. A Directora estava presente e
disse que se opunha ela que não saía dali tão cedo. Passados uns dias recebo
uma chamada telefónica desse Subchefe para fazermos a permuta. Passados quinze
dias apresentei-me no E. P. Paços de Ferreira.
O E. P. Paços de Ferreira era chefiado pelo Chefe de Principal, José
Augusto. Era a primeira vez que trabalhava sobre as suas ordens. Como tinha
conhecimento que quando eu era guarda e antes de ser transferido tratava dos
recursos humanos nomeou-me para esse efeito.
Na escala de serviço os números eram passados a lápis de papel e só
depois do serviço efectuado é que era passado a esferográfica para irem para o arquivo.
Era um problema por vezes para se compreender os números escritos. Achava que
era um processo arcaico e como tínhamos um computador antigo não descansei
enquanto não arranjei forma de fazer a escala através do computador. Havia um
recluso que dava cursos aos reclusos sobre informática. Falei com o Chefe
Principal, José Augusto, se o recluso me podia dar umas instruções de
computador. Autorizou. Todos os dias na hora de almoço arranjava
disponibilidade para receber as explicações.
Aos poucos e poucos lá começou a ser feita a escala de serviço num
impresso criado para o efeito. Houve logo invejas e apontamentos de defeitos.
Como Roma e Pavia não se fizeram num só dia também ali à medida que se
progredia fazia-se certos ajustes.
Tinha muito serviço. Era a escala, a distribuição das viaturas para os
tribunais, hospitais, jogar sempre com os horários para não se atrasar se não
tínhamos os juízes a reclamar, as férias dos guardas, era um sem número de
coisas. Além disso fazia certas diligências aos tribunais como foi o caso do
julgamento do processo da Boîte Diamante Negro. Só para este julgamento andamos
a correr para o Tribunal Judicial de Penafiel uma eternidade de tempo. Era
observado por muita gente. A sala de audiências estava sempre repleta e
juntava-se muitas pessoas nas imediações. A segurança era reforçada mas mesmo
assim lutávamos com muitas dificuldades. Os réus ficavam numas celas do
tribunal eram chamados conforme o caso. Muitas vezes somos apelidados de
desconfiados, acontece que nestes casos vemos caras e não corações. Para mais
tinha passado por más situações.
Os funcionários do tribunal, incluindo juízes, sabiam que aquela área
era restrita, quando queriam passar por ali pedíamos a identificação e víamos
uma certa relutância em se identificar. A juíza presidente do colectivo
determinou para não deixar passar ninguém sem ser identificado mas há sempre um
esperto que as quer obstruir. Não percebo para este tipo de julgamentos não se
criarem condições para serem realizados nas instalações dos E. Ps.. Assim
acabava uma série de obstáculos.
No julgamento foram libertados alguns réus. Outros condenados a penas pesadas.
Foi um crime horrendo. Com o passar do tempo e com o comportamento que vinham
evidenciando admirávamos como foi possível fazer aquele crime. Eram uns novatos.
Só o Queirós é que já tinha uma certa idade. O que faz a inveja!
Outra situação que deparei e a qual me faz pela vida fora alguma
confusão: foram transferidos do E. P. Porto, dois reclusos irmãos, condenados a
vinte anos de cadeia, cada um, pelo assassínio do pai e da amante. Recorreram
da sentença em primeira instância foram absolvidos e restituídos à liberdade.
Nunca percebi e ainda não percebo como é que um colectivo de juízes se engana a
cem por cento numa condenação e não sejam responsabilizados. Depois vem os
juízes defenderem a honra e que não são pressionáveis como fez o presidente do
Sindicato do Ministério Público, no caso Lopes da Mota. Enganarem-se a cem por
cento! Não acredito. Se fosse a cinquenta, ainda vá lá. Foi uma machada para o
colectivo de juízes de primeira instância.Continua
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