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sábado, 14 de agosto de 2010

De regresso ao E.P.R. Guimarães:


No E. P. R. Guimarães era sempre a mesma rotina. Numa detenção quando a G. N. R. de Fafe foi entregar um recluso à cadeia mediante mandato de detenção estava no Gabinete da Chefia e ouço berros à entrada da Portaria. Desloquei-me ali para me inteirar do sucedido. Era a G. N. R. a ser insultada e o recluso negava-se a abandonar o Jipe. Disse-lhe: venha daí. De imediato acompanhou-me para a Portaria a fim de procedermos à respectiva formalidade documental. Já o conhecia há bastante tempo e por nós havia um certo respeito.
Um dia numa diligência ao tribunal Judicial de Fafe, um recluso efectuou dali uma fuga. Enquanto o guarda tratava da apresentação o recluso efectuou a fuga mesmo algemado. Os guardas que faziam a custódia eram dois incluindo o motorista perseguiram-no até à casa do recluso, residia perto do tribunal, quando lá chegaram foram recebidos por um irmão de arma na mão. Era uma família que entre mãe, filha e dois filhos por várias vezes passaram pela cadeia só o pai é que não.
A directora nomeou-me instrutor do processo. Fiz diligências nessa secção para ouvir os funcionários. Não fiquei convencido com as declarações que prestaram e nas conclusões finais mencionei isso.
Fez-me lembrar numa diligência feita ao tribunal Judicial de Lousada com um recluso para julgamento e depois de se saber que ia ter continuação da parte de tarde, chegou um funcionário do tribunal junto do guarda motorista e disse. “Como o julgamento continua da parte de tarde o Sr. Guarda podia deixar o recluso ir almoçar com os seus familiares”. Encontrava-me próximo e não acreditava no que estava a ouvir. O guarda motorista disse: está ali o Subchefe de Guardas peça-lhe autorização. Quando o funcionário se dirigia a mim, disse-lhe: assine a guia de presença em como o recebeu depois pode fazer com o recluso o que entender. Não aceitou o proposto, segui com o recluso para o E. P. e de tarde lá comparecemos. Pimenta no rabo dos outros para nós é um refrigerante.
O Subchefe de Guardas, Teixeira, ficou aprovado no curso e foi nomeado para chefiar o E. P. Coimbra. A directora nomeou-me para chefiar o E. P. Feminino de Felgueiras. Já o conhecia assim como a corporação e a população prisional. Não tive problemas. Era só dar continuidade. Havia reclusas de todo o tipo; velhas, novas, bonitas, feias, ciganas, de cor e estrangeiras, mas a maioria portuguesas. Havia uma que era a faxina da lavandaria, bem-parecida, com um corpo escultural, estava constantemente a pedir para ser recebida por mim. Quando entrava no Gabinete da Chefia a primeira coisa que fazia era fechar a porta. Dizia-lhe para a abrir que sofria de claustrofobia. Noutro tempo a Cadeia estava sobre o comando do E. P. Porto e na passagem de ano foi lá um forrobodó, guardas a dançar com reclusas. Houve um inquérito. Depois de concluído a cadeia foi encerrada temporariamente.
Com o tempo fui notando uma certa simpatia e algo mais, para comigo, mas nunca dei importância a esses pormenores. Um dia o guarda motorista disse-me que esteve a falar com o marido de uma cigana, que estava ali presa, que lhe mostrou ciúmes em relação a mim. Já tinha notado esse pormenor sempre que pedia para a receber no meu gabinete, perfumava-se toda. Não podia suportar o odor. Quando me dirigia à zona prisional e passava por ela não cheirava assim. Como fui sempre a favor de certos ditados, entendo que, “onde se ganha o pão não se deve querer comer a carne.” As reclusas tinham bom comportamento. Havia alegria. De vez em quando começavam com cânticos e cantavam bem. Principalmente o “Apita o Comboio.”
O juiz do Tribunal de Execuções de Penas do Porto (T. E. P. P.) era o Dr. Dias Ferreira. Conhecia-o do E. P. Paços de Ferreira, era simpático e amigo das reclusas. Só não concedia saída precária se o Conselho Técnico fosse todo desfavorável. Mesmo assim, quando chegava ao fim de todas serem vistas perguntava não é melhor revermos as outras situações. Íamos buscá-lo à central de camionagem de Felgueiras para ganhar algum tempo e poder depois do Conselho Técnico almoçar à vontade. Perguntava sempre se havia maçã? Era a sua fruta preferida para a sobremesa. Depois de almoçar levávamo-lo outra vez à central de camionagem para apanhar o autocarro que saía por volta das doze horas e quarenta e cinco minutos.
Andava sempre com pressa. Deslocava-se para Felgueiras em transporte público e os horários eram poucos. Perguntava-me se não havia outro tipo de transporte. Andava sempre numa correria. Dei-lhe como alternativa uma vez que passava sempre em Lousada - ia em transporte próprio - esperava pelo autocarro e depois ele seguia dali comigo e adiantava um bom pedaço de tempo. O autocarro de Lousada a Felgueiras fazia uns desvios e demorava quase o mesmo tempo que do Porto a Lousada. Assim se fez, sempre que havia Conselho Técnico, éramos notificados antes uns dias, mas na véspera telefonava sempre a lembrar a sua vinda. Faço referências ao Meritíssimo Juiz, Dias Ferreira, pelo seu profissionalismo e bondade, o que é raro num juiz e por ter morrido há anos motivado por um cancro.
Continua

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