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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Falta de iniciativa:


O E. P. entrou na normalidade, a partir dessa data na Portaria passou a ter dois guardas de serviço na parte diurna, à noite era só um, assim como na Administração e Corpo Central. Mas faltava iniciativa. Tinha proposto e dei início a umas transformações: anotar numa folha, a entrada e saída dos reclusos, aonde se deslocavam, a hora quer de entrada e saída. Mas não foram aceites pelos guardas. A chefia também não mostrava interesse. Dava mais trabalho.
Um dia um recluso impedido na Oficina de Mecânica, era aberto mais cedo, para tratar das viaturas que de manhã saíam para os vários serviços. A meio da manhã não se sabia do recluso se ele estava para a Zona Prisional ou por onde andava. Perguntava-se ao guarda da Administração não sabia se tinha passado ou não para a Zona Prisional. Perguntava-se ao do Corpo Central a mesma coisa. Perto do meio-dia recebeu-se um telefonema do pai do recluso para o irmos buscar que se encontrava em casa. Feitas as averiguações confessou que se meteu na parte debaixo do autocarro do E.P. que todos os dias transportava os alunos para as escolas em Paços de Ferreira.

O ambiente entre reclusos decorria bem, entre trabalho e lazer. No trabalho faziam-se boas mobílias, bom artesanato, nos dias de visita eram colocadas na Portaria em exposição. Na cantaria fazia-se fogões de sala, jazigos para cemitérios. Na serralharia, portões, gradeamentos e um sem fim de outras coisas. Na sapataria além dos consertos, também se trabalhava na cosedura manual de sapatos para fábricas de calçado. No lazer realizavam-se jogos e torneios de futebol com equipas do exterior. Diziam os reclusos que sabia bem este tipo de convivência. Era uma lufada de ar fresco, que entrava no E. P.. Grandes jogadores que lá foram jogar: Fernando Gomes, Jaime Pacheco, João Pinto, Victor Baía, etc., etc. Nunca houve problemas nestes dias. Eram os próprios reclusos que se guardavam entre si. Ai daquele que armasse confusão.
Na população prisional havia de tudo, aliás lá dentro, é um pouco como a sociedade cá fora. Há o intelectual ou que se julga ser, o analfabeto, o remediado e o menos remediado, com menos e mais instintos, o reguila e o saloio. Contam as maiores disparidades assim como outras mais reais. O Jaime “Cristo Rei” tem esta alcunha porque tentou vender a estátua do Cristo Rei a umas turistas espanholas com uma certa idade. O Simplício que era um carteirista profissional. Dizia que até aos familiares roubava a carteira para se treinar. O Vitorino que quando veio pela segunda vez preso disse: - Ouvia os meus colegas contar como faziam que na primeira vez que os tentei imitar fui logo preso. Tem que se ter queda. Outro que se fez de padre, no dia de Páscoa, andou com o compasso de porta em porta numa freguesia do distrito de Vila Real. Um dia pediu o carro ao padre e nunca mais apareceu. Fez-se de filho de um ministro pediu dinheiro emprestado a altas figuras da política e do mundo de futebol e nunca mais o devolveu.
Na parte profissional no que me tocava as coisas corriam bem. Fui nomeado para representar a comissão de Guardas, era uma espécie de delegado sindical, tratava de angariar sócios e receber as quotas. Conseguimos a legalização do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional. Ficou com as siglas de S.N.C.G.P., deu-nos bastante trabalho mas conseguiu-se. O primeiro presidente foi o Tenente, Vieira, Coordenador de Vigilância no E. P. Coimbra. Houve uma ruptura com os guardas e desde aí só fazia parte do sindicato quem fosse guarda.
Foram marcadas eleições, ganhou a lista do Guarda Rogério, também fazia parte dessa lista, entre vários. Marcaram-se reuniões com o Director Geral, Castelo Branco. Eram reuniões tensas. Não se conseguia nada. Um dia de manhã quando se dirigia para a Direcção Geral foi assassinado. Sentimos pena. A vida tinha que continuar.
Foi nomeado Director Geral o Dr. Fernando Duarte. Aqui as nossas revindicações começaram a ser aceites. Subsídio de renda de casa: Havia guardas que tinham casa do Estado, a maioria não. Transportes gratuitos: Vários guardas foram detidos por se negar a pagar, ganhamos todos os processos. Promoção na carreira: Todos os guardas eram iguais foi criado o posto de Guarda Principal. Pagamento de horas extras: O horário era excessivo. Estas regalias foram fruto de todo o sindicato mas quero ressalvar o nome do guarda Ramiro Coutinho, que foi de uma voluntariedade a toda a prova. Sem ele o sindicato não era nada. Nesse tempo era amor à causa, não é como se vê hoje. O guarda Ramiro Coutinho merecia que o sindicato lhe fizesse uma homenagem. Nunca vi pessoa tão séria e abnegada.
Continua

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