Os dias iam decorrendo. Só Deus sabe como me sentia. Parecia que via
nos meus colegas uma certa satisfação pelo que me aconteceu. É nomeado um
instrutor. No dia 26 de Outubro se a memória não me atraiçoa, estava de serviço
no posto de rádio e recebo uma chamada pelo telefone interno, do guarda
Valente, desempenhava serviço na Portaria, para o render que precisava de se
deslocar a uma secção administrativa para tratar de um assunto de serviço.
Perguntei-lhe se tinha sido comunicada a rendição ao chefe de guardas o que me
foi dito que sim.
Dirigi-me à portaria. Foi-me transmitido o serviço. Estavam ali umas
pessoas à espera de serem atendidas. Disse-lhes para aguardarem numa sala que
era utilizada nos dias de visita para revista às pessoas do sexo feminino. Fui
correspondido por todos. Só um advogado que estava à espera de ser atendido por
um Técnico de Educação deixou-se ficar no mesmo local. Como usamos um certo
fair-play para com esta classe não insisti.
Passado um pouco de tempo dirigiu-se à portaria um Técnico de Educação
para falar com o dito advogado. Abri o gradão. Não era chapeado tinha-se
visibilidade para a parada que fica entre a portaria e o edifício
administrativo. O Técnico de Educação começou a falar com o advogado por entre
o gradão, nesse momento, vim abri-lo para lhe dar passagem. O gradão estava
semiaberto, tinha a chave na fechadura, aguardava que o Técnico de Educação
entrasse no recinto da Portaria. De repente surgiu um recluso de nome “Manel
Tedyboy” que de pistola em punho me mandou encostar à parede assim como o
educador e o advogado. Fiz um gesto inadvertido. Levei uma coronhada nas
costas. De imediato surgem mais dois reclusos, Raul e Didier, este de origem
francesa. Revistaram as gavetas da secretária não tendo encontrado nada de seu
interesse. Nesse momento vem o guarda Valente para a portaria e quando se
apercebe do sucedido vem para fazer frente aos mesmos mas é intimidado, mesmo
assim, começou a berrar para a torre nº. 1, dando conta do sucedido. O guarda
da torre não reagiu.
Saíram Raul e Didier da portaria logo seguido de Tedyboy. Nesse momento
fui ao armeiro buscar uma G3. Nessa altura na portaria era só um guarda que
prestava serviço e desarmado, com o intuito de os apanhar no exterior.
Ali chegado vejo que os mesmos iam dentro dum táxi - estava próximo da
portaria com as chaves na ignição - a uma distância de trezentos metros, fiz
fogo para o táxi, nesse momento vem uma viatura em sentido contrário o que me
levou a suspender a acção com receio de a atingir.
Se a minha situação profissional já estava num caos a partir daqui
piorou e de que maneira. Os guardas, a quem tinha por amigos, olhavam-me com
desconfiança. Só o Subchefe de Guardas, Gonçalves, veio estar comigo e disse. -
Defenda-se. Não confie em ninguém. Fiz a participação relatando toda a
ocorrência. O Chefe de Guardas nem tão pouco me perguntou como aconteceu.
Nos dias seguintes não saía de casa a não ser para ir trabalhar. Os
meus colegas, extra trabalho, vieram um dia a minha casa para ir com eles dar
um passeio. Só me refugiava em casa.
Um dia numa dessas saídas, num café, alguém insinuou pondo em dúvida a
minha seriedade. Disse-lhe. - Se voltas a pronunciar o mesmo parto-te os
dentes.
O meu pai veio estar comigo dizendo se eu não tivesse a vida à feição
me emprestava dinheiro para me estabelecer na minha antiga profissão. Não
aceitei. Enquanto o processo não estivesse concluído não me demitia. Depois se
veria. Se precisasse de trabalho tinha os meus antigos patrões. Quando me fui
despedir disseram-me que tinha sempre as portas abertas.
Foi nomeado como instrutor o “Capitão” Aguiar, Técnico Superior de
Vigilância. Desempenhava funções no E. P. Porto, (Custóias) o que para mim foi
bom. Não confiava no primeiro e este vinha de outro E. P., não havia
intimidades e notei que era um alvo a abater. Nas declarações prestadas fiz
valer a minha inocência.
Também fui ouvido pela Polícia Judiciária, salvo erro pelo inspector
Edgar e dois agentes que o acompanhavam. Numa dessas inquirições um agente
insinuou que estava combinado com o recluso Domingos, - o da fuga do Centro
Saúde Mental - pelo motivo de morarmos na mesma terra. Disse ao inspector para
dizer ao referido agente que moderasse a linguagem senão não respondia por mim
e que não mamei do mesmo leite que ele. Tendo o inspector e agente saído da
sala. Passado uns minutos só entrou o inspector. Quando me sinto com razão não
há ninguém que me cale dê para o que der.
Contudo o inspector disse-me para acusar o Técnico de Educação.
Disse-lhe que não o fazia porque não tinha bases para tal. O inspector disse-me
que depois me oferecia os dados. Respondi sempre que não, que ele podia estar
inocente como eu.
Depois do processo concluído falava-se que o Técnico de Educação esteve
em França a passar oito dias de férias em casa dos pais do Didier. Assim como a
pistola veio dentro de uma televisão destinada ao recluso Tedyboy. Mais tarde
fez-se o espólio dos reclusos ao Tedyboy faltava-lhe certos valores entre os
quais um casaco de antílope.
Nesse vai e vem continuava serenamente no meu serviço e um dia veio o
recluso José Maria “ o Máquinas” dizer-me que tinha um abaixo-assinado de
reclusos a provar a minha honestidade e dedicação ao serviço. Disse-lhe: - se
tivessem consideração por mim que o rasgassem. Assim como o recluso Fernando
“China” me disse - estava próximo da liberdade - que me deixava a sua direcção
para ser minha testemunha. Que avisou o Chefe de Guardas do que estava a ser
planeado e como recompensa foi mandado de castigo para o Pavilhão de
Observação.
De facto, nesse dia foi armado um alvoroço no recreio de uma das Alas
tendo-se dirigido para lá o Chefe de Guardas, o que era raro acontecer.
Dificilmente ia à zona prisional.
Quando tomei conhecimento da conclusão do inquérito era o que esperava.
Fui declarado inocente. O Chefe de Guardas aconselhado a pedir a reforma
antecipada ou compulsiva. O guarda que prestava serviço na Lavandaria era onde
prestavam serviço como faxinas, o Raul e o Didier, não tinham que estar na zona
da Administração. Os guardas de serviço ao portão do Corpo Central e
Administração foram multados numa pequena quantia em dinheiro. Para mim os dois,
estavam inocentes, era assim que se desenrolava o serviço diariamente. O
recluso Tedyboy todos os dias se dirigia ao Gabinete da Chefia da Guarda para
levantar os jornais diários destinados à Biblioteca dos reclusos. Estava
superiormente autorizado. Era ali faxina.Continua
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