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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Concurso:




Direcção Geral Serviços Prisionais

Em 1978, concorri a guarda da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, depois de prestar provas físicas, escritas e psicológicas, fui seleccionado. A 28 de Janeiro de 1980 tomei posse - há datas que ficam sempre na memória - neste dia fazia trinta e um anos de idade. Nessa época não havia, como condição, o máximo de vinte e sete anos de idade para se concorrer.

E. P. Coimbra


A tomada de posse aconteceu no E. P. Coimbra, sendo director, Victor Brito. Sofri uma grande modificação na vida. Quando era militar dizia que farda nunca mais. Passados uns dias estive para abandonar mas como tive sempre a oposição da minha esposa e não queria dar parte de fraco lá continuei. Notei que era tudo diferente do que imaginava. Para pior. Tanto, as condições físicas como humanas, para mais nunca tinha entrado numa cadeia. A física era uma estrutura muito pesada. Portões de ferro atrás de portões de ferro. É evidente que para este tipo de situação não havia outra alternativa. A humana julgava que as pessoas eram dotadas de outra formação, não quero generalizar, mas acontecia com uma boa parte.
Passei a desempenhar serviço nas torres de vigilância que circundam o E.P.. Neste ponto estava melhor que os meus colegas que desempenhavam serviço no interior, ou seja, lidar directamente com os reclusos. No primeiro mês enquanto recebíamos algumas instruções, não havia cursos de formação, era uma espécie de atirar as pessoas às feras, género desenrasca-te.
Fiz uns serviços às obras, que era vigiar e acompanhar reclusos que estavam a restaurar a parte subterrânea do E.P. que antes um tempo tinha sofrido um incêndio. Lembro-me de uma vez um desses reclusos ser o famoso “Pistolas”. Tenho a dizer que era um recluso de fino trato, sempre que precisava de algo, dizia: - senhor guarda, preciso de ir a tal sítio faz o favor de me acompanhar. Não sei se era por ser novo no serviço mas comigo aconteceu assim.
Quando passei a fazer serviço às torres, chamada, “periferia” beneficiei da experiência do técnico-adjunto, Crispim, que estava sempre pronto a nos explicar a melhor solução.
Passado uns meses sofri uma redução no vencimento com a equiparação à P.S.P. para efeito de vencimento e outras regalias. Se não fosse a minha esposa também trabalhar, estava bem arranjado, não ganhava para as minhas despesas.

E. P. Paços de Ferreira


Em Dezembro fui transferido para o E.P. Paços de Ferreira. Aqui ficava mais próximo. Em Coimbra estava a cento e cinquenta quilómetros, em Paços de Ferreira a onze. O E.P. era e é enorme. Em comparação com o E.P. Coimbra é maior e tem mais cimento armado e ferro.
Havia menos disciplina. Os reclusos andavam mais à vontade e tinham acesso a quase tudo. Não era só da estrutura física, o E.P. Coimbra estava melhor concebido. O octógono controlava toda a circulação de reclusos: oficinas, recreios, balneários, refeitório, ala, obras e hortas. No E.P. Paços de Ferreira era mais abandalhado. Os reclusos eram alocados por alas, pisos, celas ou camaratas, se fosse primário ou reincidente, menor (dezoito anos). Tinham livre acesso aos recreios tanto da ala A como da B.
Nos princípios de 1981 o director, Miranda Pereira, foi nomeado Secretário de Estado do Ministério da Justiça, sendo Ministro, Meneres Pimentel. Para coadjuvar o E.P. veio o Dr. Avelino Marques, que dirigia o E. P. Santa Cruz do Bispo. A partir daqui é que foi a rebaldaria total.
Um dia um recluso pôs termo à vida, “enforcou-se”. Como forma de protesto, na hora da segunda refeição, quando me encontrava com mais dois guardas no refeitório, uns poucos de reclusos, à sua frente vinha o Delinger, deram cabo dos recipientes com sopa que estavam distribuídos pelas mesas tendo-me atingido. Não se tomavam medidas. Estávamos a ser enxovalhados na nossa dignidade e profissionalismo.
Fomos informados que ao outro dia os reclusos se preparavam para uma greve geral e tinham ameaçado os reclusos cozinheiros para não confeccionar qualquer tipo de refeição. Nessa manhã só foram abertos os reclusos que laboravam na cozinha e a primeira refeição foi distribuída nas celas. Ainda de manhã, começou-se a ouvir um barulho infernal, como o bater com objectos nas portas, não se podia aguentar tal coisa. Sabíamos quem eram os cabecilhas. Falou-se com o director para se tomar medidas para os isolar, parecia o PREC, não se tomava qualquer solução, o que viemos por nossa iniciativa, a pôr termo a tal anarquia. Remédio santo. A partir desse momento reinava a paz, o nosso respeito e profissionalismo voltou ao normal. Nestas situações são meia dúzia deles que querem a confusão, os restantes, desejam que os deixem em paz com a sua condenação.
Nessa altura trabalhava no posto de rádio com uma escala de quatro dias de trabalho e dois de folga, juntamente com o guarda Monteiro. Quando era preciso fazíamos outros serviços, como render um guarda em qualquer posto de serviço, fazer uma diligência, etc.
Um dia fui escalado pelo chefe de guardas para fazer uma diligência ao Centro de Saúde Mental, na Rua do Bonjardim no Porto, com um recluso. A viatura usada nessa diligência foi um Mercedes, tipo turismo, bastante velho, que saía só em casos excepcionais. Nela seguia o guarda motorista, eu, outro guarda e os dois reclusos. Levaram-me primeiro ao Centro de Saúde Mental, tendo seguido, o motorista, o outro guarda e recluso para tribunal Judicial de Matosinhos.
Na recepção tratei da papelada. De seguida dirigi-me para um local de fraco acesso, só com uma porta, encontrava-se lá uma senhora. Disse ao recluso para se encostar a um canto, ficando eu de frente da porta. Passado uns minutos para meu espanto está um sujeito de boné, com uma pistola apontada a mim, tendo essa pessoa dito, Domingos, vamos. Foi uma confusão tremenda no Centro de Saúde Mental. Dirigi-me para a porta com o intuito de seguir no rasto deles, quando verifico uma viatura a arrancar com mais pessoas lá dentro e seguir em direcção à praça do Marquês, a rua era só de um sentido.
Através do telefone do Centro, foi dado conhecimento à P.S.P., tendo comparecido no local um carro patrulha que tomou conta da ocorrência. Contactei o E. Prisional, dando conta da ocorrência. Disseram-me que tinha de esperar pela viatura que me tinha transportado e que se tinha deslocado para o tribunal de Matosinhos.
Chegado ao E.P. fiz a devida participação dizendo que a pessoa que me apontou a pistola, tinha estado a visitar o recluso no sábado anterior. Mais tarde foi apanhado pela Policia Judiciária. Fui chamado a fazer um reconhecimento e de entre várias pessoas reconheci-o. No julgamento, o juiz perguntou-me se afiançava com toda a certeza se era ele. Respondi. - Tudo foi numa fracção de segundos, que há muitos sósias, e por esse motivo não podia dizer com toda a certeza que era ele, mas que as semelhanças eram as mesmas. Julgo que não foi condenado.
Continua

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