A interpretação das provas recolhidas na Operação Marquês gerou duas posições radicalmente diferentes, a da acusação e a do juiz de instrução. A diferença é tão grande, foi tão longa e exaustivamente ponderada por ambas as partes, resulta tão monumentalmente consequente, que não se explica por um acaso estatístico resultante de variações cognitivas nos decisores.
Quem quiser dar sentido ao abismo judicial que constitui a Operação Marquês desde o seu início terá de abandonar a hermenêutica do Direito e olhar para o tabuleiro do jogo na sua totalidade. Nessa contemplação, a Operação Marquês surge como um processo político logo em Julho de 2014, quando ainda nem sequer havia arguidos constituídos nem se conhecia a sua denominação – e é um processo político em 2013, quiçá mesmo em 2012, quando uma procuradora-geral da República escolhida por um certo Presidente da República e um certo primeiro-ministro dá luz verde para montar a caçada ao alvo supremo da direita. Depois, a Operação Marquês é explorada mediática e politicamente pelo calendário escolhido para a detenção de Sócrates (em cima do congresso socialista que entronizava Costa e abria um ano eleitoral), pelo plano de o prender preventivamente numa cadeia pelo máximo de tempo possível, e pelos crimes cometidos pelos procuradores do processo e, muito provavelmente, pelo juiz Carlos Alexandre. Vou repetir: houve crimes cometidos pelos procuradores do processo e, muito provavelmente, pelo juiz Carlos Alexandre. Crimes, ilegalidades e abusos da lei. Basta lembrar que a violação do segredo de justiça é crime. Tudo isto está documentado, nada disto foi investigado. Quanto a Ivo Rosa, o assassinato de carácter de que é alvo não consegue associar-lhe qualquer crime, sequer ilegalidades, pois os ataques são dirigidos ao seu respeito escrupuloso pela Constituição e pelos direitos das defesas (como, de resto, é sua obrigação e finalidade). Quando leu o resumo da decisão instrutória sobre a Operação Marquês gastou 3 horas a fundamentar e detalhar a incompetência, má-fé e intencionalidade conventicular do Ministério Público naquele processo. O que disse foi à prova de estúpidos.
O regime, a sociedade e a comunidade alinharam com o sensacionalismo, com o tribalismo, com o ódio. Aprovaram o auto-de-fé, juntaram-se ao linchamento. Nesse sentido, a Operação Marquês foi um inaudito e histórico sucesso da oligarquia portuguesa. Mas não é, nunca foi, uma investigação onde se quisesse proteger os direitos dos arguidos e dos acusados, sequer das testemunhas, e onde se quisesse descobrir a verdade. O próximo juiz, ou conjunto de juízes, que se pronunciar sobre o caso irá revelar quão grave é a anomia da Grei ou, em alternativa, se há esperança de Ivo Rosa não ser um extraterrestre.
POR VALUPI
Do blogue Estátua de Sal
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