Habitualmente coloco-os na plataforma medium.com. Mas hoje
quis acompanhá-lo com uma imagem da caridade dos defensores da vida até ao fim
e com dor. A tortura do rato.
Vida
A propósito da despenalização da
eutanásia. Começando pelo início.
A vida o que é? Há uma definição
de vida melhor do que ser? Do que existir? Do que existência?
E o direito o que é? Um direito o
que é? A definição de direito começa sempre por ser subjetiva. Os seres têm
direitos e estes são sempre subjetivos. Os humanos são simultaneamente
indivíduos e membros de uma sociedade. Para os defensores da liberdade, o
direito individual prevalece sempre que não colida com os direitos dos outros e
da sociedade. A melhor definição dos direitos dos indivíduos numa sociedade que
conheço é a da faculdade de uma pessoa mover a ordem jurídica segundo seus
interesses. É a conceção que resulta da afirmação comum de "eu tenho o
direito de pensar o que eu quiser!" O Quino, na Mafalda utilizava muito
este conceito.
E eutanásia? A definição mais
comum é a de um ato intencional de proporcionar a alguém de forma indolor o fim
da sua existência para o libertar de um sofrimento incurável e insuportável.
Isto é, para libertar alguém de uma não existência forçada e contra a sua
vontade.
Foi este ato misericordioso que
foi despenalizado na Assembleia da República pela maioria dos deputados eleitos
pelos portugueses, uma despenalização para conceder o direito subjetivo aos
cidadãos que querem findar os sofrimentos insuperáveis da sua existência e
necessitam de um apoio. Foi esse apoio que o Estado, através dos representantes
eleitos pelos seus cidadãos, decidiu deixar de considerar um crime.
São conhecidas das histórias da
crueldade humana algumas das mais dolorosas e prolongadas formas de acabar com
uma existência. A crucificação, por exemplo, que não foi exclusiva dos romanos
na Palestina. Era comum desde tempos remotos em várias culturas e civilizações
e tinha por objetivo fazer com que as pessoas demorassem dias para morrer.
Outro método de prolongar o sofrimento foi a “tortura do rato” As pessoas eram
deitadas numa cama de madeira, com um recipiente de rede de arame preso à sua
barriga cheio de ratos. O recipiente era aquecido por cima e os ratos, para
fugir do calor, cavavam com os dentes um buraco no abdómen da vítima.
Abreviar o sofrimento do
condenado era (seria), neste caso, um ato de misericórdia. Esse ato ganhou
mesmo a designação de “golpe de misericórdia”.
Hoje há ainda quem recuse o gesto
de misericórdia! E os que o recusam invocam uma superioridade moral para o
recusar! Referem mesmo a dignidade da vida até ao último suspiro, da tortura
até ao fim, para assim cumprir o seu destino. E referem mesmo o direito divino
para impor a tortura até ao fim! Puro sadismo, a que alguns chamam religião!
Voltemos à vida. A vida que é, na
essência, a existência de um ser, no caso dos humanos, de um ser que se
considera ontologicamente detentor de uma dignidade que radica na capacidade
para escolher as suas opções. Escolher o fim e dispor de alguém que o auxilie a
ter um bom fim, ou o melhor fim possível, é um direito, não pode ser um crime.
Mesmo recorrendo à história, é
uma chocante hipocrisia a cruzada dos grupos religiosos que se reclamam do
cristianismo contra a despenalização da morte assistida, porque desde a Idade
Média o cristianismo promoveu a “arte de bem morrer”, ars moriendi. Os chefes
religiosos aterrorizavam os fiéis com o perigo da morte súbita (no momento
decidido por outrem) e tinham como objetivo exortar o cristão, o crente, o
fiel, sujeito passivo a preparar o momento do transitus.
Que melhor preparação que a de
ser o próprio a dizer que está pronto e a pedir ajuda para o fim das suas
dores? E que melhor ato de misericórdia que esse auxílio ser-lhe concedido?
Carlos Matos Gomes
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