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domingo, 28 de dezembro de 2014

Do BES à TAP: voos "baixos"

Privatizar a TAP a nove meses de eleições, contra toda a Oposição, os seus trabalhadores, a opinião maioritária dos portugueses, constitui um ato lesivo para o País
1 - As audições na Comissão de Inquérito ao BES/GES, transmitidas em direto pelos canais televisivos de informação, se, por um lado, são propícias a um certo voyeurismo que não aprecio, por outro, muito mais importante, permitem aos cidadãos ter relativo acesso a um mundo para o comum dos mortais sempre desconhecido, por encoberto pelo manto nada diáfano do dinheiro, do poder e do privilégio. E, neste caso, em que os deputados intervenientes estão a mostrar, melhor ou pior, trabalho de casa - com destaque para a pertinência e concisão das questões postas pela jovem Mariana Mortágua, do BE -, têm ainda outra vantagem: valorizar, aos olhos dos portugueses, a instituição que, por definição, encarna a própria democracia e cujo prestígio tem andado bastante por baixo, o que é mau, em boa parte por culpa própria, o que ainda é pior.
Para lá do respeito sempre devido às pessoas, em especial quando estão em queda, e do esforço para jogar todas as responsabilidades ou, pelo menos, todo o dolo para cima dos outros, parece óbvio que Ricardo Salgado tinha de saber, se não estar na base, dos factos mais graves deste indecoroso caso. E que os seus colaboradores diretos de mais alto escalão também não os deviam ignorar. E que a supervisão foi débil e demorada - talvez devido ao que, no Direito, se chama(va)m "os hábitos da comarca"... E que o Governo, lavando ou fingindo lavar as mãos, também não esteve à altura do que se lhe exigia. E que é incompreensível a forma como a "solução" Vítor Bento foi acolhida e abandonada. E que... ?E que... E que...
Creio, porém, que do principal, como de hábito, não se tirarão as devidas ilações. Porque se foi possível chegar-se onde se chegou, tal se deve a um sistema que, aparentando apertar algumas malhas para impedir a criminalidade económica, a fraude e fuga ao fisco, etc., continua a permitir o que, no essencial, as possibilita ou potencia. A começar pelos offshores e paraísos fiscais e a acabar na miríade de empresas, incluindo as fictícias, com participações cruzadas e recruzadas, holdings, subholdings, sedes em países diversos, etc. Para quê?... E, depois, ou a culpa não é de ninguém ou os "reguladores" é que passam a ser os maus da fita! 
2 - A greve da TAP é polémica? É. Mas isso não pode constituir pretexto para se falar apenas dela, greve, e ocultar a questão de fundo, a privatização da companhia. Contra a qual os seus trabalhadores fazem a greve. Que reúne, o que diz tudo, os seus 12 sindicatos, os quais não podem ser acusados de fazer política contra o Governo. Ao Governo estão, sim, a dar uma lição: a defender a empresa e, sobretudo, os interesses dos portugueses. Do continente, das regiões autónomas e espalhados pelo mundo.
Não há, hoje, uma só razão válida para privatizar a TAP, quando muito pode-se admitir a alienação de uma parte minoritária do seu capital. E a nove meses de eleições, tendo (é minha convicção) a generalidade dos portugueses, toda a Oposição, os seus trabalhadores, contra essa privatização, além de mostrar a costumeira teimosia e autossuficiência, privatizá-la quase configura um abuso de poder. E constitui um ato lesivo para o País, demonstrando bem a quem serve o Governo e a seriedade dos seus apelos aos "consensos"!...  
3 - Os deputados do PSD pela Madeira votaram contra o Orçamento de Estado, decerto por muito boas razões. Mas a verdade é que infringiram a chamada "disciplina de voto". Numa das raríssimas situações que mesmo eu, talvez entre nós o mais antigo e acérrimo defensor da liberdade de voto dos deputados, admito poder ser uma exceção a esse princípio, de par com as moções de censura e confiança. Assim, um deles foi afastado da presidência de uma comissão e tem um processo disciplinar.
O extraordinário foi ouvir Guilherme Silva, outro deles, há mais de 20 anos, insurgir-se contra esse facto, defender aquela liberdade e fazer outras excelentes "proclamações". Ele desde sempre um grande apaniguado e apoiante de Alberto João Jardim, advogado do seu círculo, até, se bem me lembro, em processos contra jornalistas, etc. Pelo que importa perguntar: quando é que se opôs, quando é que votou contra as orientações e decisões de Jardim?; quando levantou um dedo ou a voz contra alguns dos seus atos, para não dizer mais, discricionários e prepotentes?
José Carlos Vasconcelos
Na Visão

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