Privatizar a TAP a nove meses de eleições, contra toda a Oposição, os
seus trabalhadores, a opinião maioritária dos portugueses, constitui um ato
lesivo para o País
1 - As audições na Comissão de Inquérito ao BES/GES, transmitidas em
direto pelos canais televisivos de informação, se, por um lado, são propícias a
um certo voyeurismo que não aprecio, por outro, muito mais importante, permitem
aos cidadãos ter relativo acesso a um mundo para o comum dos mortais sempre
desconhecido, por encoberto pelo manto nada diáfano do dinheiro, do poder e do
privilégio. E, neste caso, em que os deputados intervenientes estão a mostrar,
melhor ou pior, trabalho de casa - com destaque para a pertinência e concisão
das questões postas pela jovem Mariana Mortágua, do BE -, têm ainda outra
vantagem: valorizar, aos olhos dos portugueses, a instituição que, por
definição, encarna a própria democracia e cujo prestígio tem andado bastante
por baixo, o que é mau, em boa parte por culpa própria, o que ainda é pior.
Para lá do respeito sempre devido às pessoas, em especial quando estão
em queda, e do esforço para jogar todas as responsabilidades ou, pelo menos,
todo o dolo para cima dos outros, parece óbvio que Ricardo Salgado tinha de
saber, se não estar na base, dos factos mais graves deste indecoroso caso. E
que os seus colaboradores diretos de mais alto escalão também não os deviam
ignorar. E que a supervisão foi débil e demorada - talvez devido ao que, no
Direito, se chama(va)m "os hábitos da comarca"... E que o Governo, lavando
ou fingindo lavar as mãos, também não esteve à altura do que se lhe exigia. E
que é incompreensível a forma como a "solução" Vítor Bento foi
acolhida e abandonada. E que... ?E que... E que...
Creio, porém, que do principal, como de hábito, não se tirarão as
devidas ilações. Porque se foi possível chegar-se onde se chegou, tal se deve a
um sistema que, aparentando apertar algumas malhas para impedir a criminalidade
económica, a fraude e fuga ao fisco, etc., continua a permitir o que, no
essencial, as possibilita ou potencia. A começar pelos offshores e paraísos
fiscais e a acabar na miríade de empresas, incluindo as fictícias, com
participações cruzadas e recruzadas, holdings, subholdings, sedes em países
diversos, etc. Para quê?... E, depois, ou a culpa não é de ninguém ou os
"reguladores" é que passam a ser os maus da fita!
2 - A greve da TAP é polémica? É. Mas isso não pode constituir pretexto
para se falar apenas dela, greve, e ocultar a questão de fundo, a privatização
da companhia. Contra a qual os seus trabalhadores fazem a greve. Que reúne, o
que diz tudo, os seus 12 sindicatos, os quais não podem ser acusados de fazer
política contra o Governo. Ao Governo estão, sim, a dar uma lição: a defender a
empresa e, sobretudo, os interesses dos portugueses. Do continente, das regiões
autónomas e espalhados pelo mundo.
Não há, hoje, uma só razão válida para privatizar a TAP, quando muito
pode-se admitir a alienação de uma parte minoritária do seu capital. E a nove
meses de eleições, tendo (é minha convicção) a generalidade dos portugueses,
toda a Oposição, os seus trabalhadores, contra essa privatização, além de
mostrar a costumeira teimosia e autossuficiência, privatizá-la quase configura
um abuso de poder. E constitui um ato lesivo para o País, demonstrando bem a
quem serve o Governo e a seriedade dos seus apelos aos
"consensos"!...
3 - Os deputados do PSD pela Madeira votaram contra o Orçamento de
Estado, decerto por muito boas razões. Mas a verdade é que infringiram a
chamada "disciplina de voto". Numa das raríssimas situações que mesmo
eu, talvez entre nós o mais antigo e acérrimo defensor da liberdade de voto dos
deputados, admito poder ser uma exceção a esse princípio, de par com as moções
de censura e confiança. Assim, um deles foi afastado da presidência de uma
comissão e tem um processo disciplinar.
O extraordinário foi ouvir Guilherme Silva, outro deles, há mais de 20
anos, insurgir-se contra esse facto, defender aquela liberdade e fazer outras
excelentes "proclamações". Ele desde sempre um grande apaniguado e
apoiante de Alberto João Jardim, advogado do seu círculo, até, se bem me
lembro, em processos contra jornalistas, etc. Pelo que importa perguntar:
quando é que se opôs, quando é que votou contra as orientações e decisões de
Jardim?; quando levantou um dedo ou a voz contra alguns dos seus atos, para não
dizer mais, discricionários e prepotentes?
José Carlos Vasconcelos
Na Visão
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