Sr. Presidente
Dirijo-me ao respeitável cargo, não ao Aníbal que acidentalmente o
detém.
O sr. Presidente vai falar hoje ao país. Não lhe restava outra
hipótese, pois o país exige que o sr. promova urgentemente uma saída para a
actual crise. Esta foi gerada, recordo, pelas demissões sucessivas do ministro
das Finanças, “número dois” do executivo, e do ministro dos Negócios
Estrangeiros, número três, que é também o líder do partido que garante a
maioria em que o governo assenta. No seguimento dessas demissões e do estupor
que isso lhe terá causado, o sr. Presidente desenvolveu várias acções tendentes
a resolver a crise, embora considerando que o actual governo continuava na
“plenitude das suas funções”. Depois de uns episódios de telenovela e de umas
negociações feitas de afogadilho entre os dois partidos da actual coligação, o
sr. Presidente foi confrontado com uma proposta de remodelação do governo nos
termos da qual o ex-número três passava a número dois, com o posto de
vice-primeiro ministro e com a coordenação das pastas económicas, entre as
quais a das Finanças.
Ora o sr. sabe tão bem como eu que a actual situação do país não se
compadece com soluções de baixa opereta e que o pretendido número dois, além de
ter perdido qualquer credibilidade política, carece de qualificações plausíveis
para ser o coordenador das pastas económicas do governo. Recordo-lhe ainda que
ele se demitiu porque não aceitou a nomeação da actual detentora da pasta das
Finanças, que ele agora pretende “coordenar”. Acresce que o primeiro-ministro
é, como o sr. também sabe, um triste incompetente que em dois anos fez exactamente
o contrário de tudo quanto prometeu. Assim, sr. Presidente, avalizar a
remodelação governamental que lhe foi proposta seria o passo mais desastrado da
sua carreira. E não me estou a esquecer de nenhum dos passos desastrados que o
sr. já deu.
Quando a coligação de opereta esperava que o Presidente fosse seu
cúmplice e viesse pasmadamente, como é seu timbre, ratificar a remodelação
proposta, o sr. decidiu falar ao país. E que disse aos portugueses? Omitindo
gritantemente o assunto remodelação, desafiou o principal partido da oposição a
contribuir para um compromisso de “salvação nacional”, tido como indispensável
para tranquilizar os credores de Portugal até a umas eleições legislativas
antecipadas. Não vou esmiuçar aqui os diversos aspectos insólitos e patéticos
de tal desafio, porque nunca acreditei que tivesse sido lançado de boa-fé.
Sempre o encarei como uma manobra de diversão, cujo expectável resultado – que
está hoje à vista – serviria ao Presidente para tentar justificar a decisão que
tem preparada e hoje anunciará ao país.
O sr. Presidente diz-se movido apenas pela busca de uma “salvação
nacional”. Pois se assim é, o primeiro passo que o sr. terá de dar nessa
direcção consiste em pôr imediatamente termo a este governo incapaz,
descredibilizado e falido. Não querendo desde já dissolver a Assembleia e
marcar eleições, decisão que posso respeitar em face das justificações que
apresentou, resta, pois, ao sr. Presidente propor à actual maioria um governo
de iniciativa presidencial, que deverá gerir o país até às eleições que o sr.
oportunamente marcará. Esse governo deverá ser composto por pessoas não
comprometidas com os dois anos de governação que levaram o país a esta situação
miserável e que não provoquem a priori nos portugueses a ira e o escárnio que a
actual coligação provoca. Se a maioria parlamentar não quiser contribuir para
essa solução, com o que provaria ser também profundamente estúpida além de
totalmente inepta, então o Presidente terá que ir para uma imediata dissolução
da Assembleia.
A pífia manobra de diversão que o sr. Presidente ensaiou – para tentar passar as culpas da presente crise para a oposição e assim coonestar a decisão que vai hoje anunciar ao país – permite prever que essa sua decisão não será aquela que eu aqui lhe aponto. Se assim for, sr. Presidente, despeça-se definitivamente da alta magistratura que os portugueses lhe confiaram, pois estes passarão a olhá-lo como um mero fantoche de feira, sem qualquer dignidade nem préstimo.
A pífia manobra de diversão que o sr. Presidente ensaiou – para tentar passar as culpas da presente crise para a oposição e assim coonestar a decisão que vai hoje anunciar ao país – permite prever que essa sua decisão não será aquela que eu aqui lhe aponto. Se assim for, sr. Presidente, despeça-se definitivamente da alta magistratura que os portugueses lhe confiaram, pois estes passarão a olhá-lo como um mero fantoche de feira, sem qualquer dignidade nem préstimo.
"Júlio"
Rapinado ao blogue "Aspirina B"
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