O Presidente jogou forte e perdeu. É provável que se tenha tornado
irrelevante. Cavaco Silva fez o discurso que poderia ter feito há dez dias,
quando anunciou que havia um Governo de gestão e obrigou os partidos a negociarem
um acordo que falhou.
Há dez dias, o Presidente podia ter dito que o Governo tinha perdido as
condições de legitimidade para continuar e marcar eleições antecipadas. Ou
então aceitava a remodelação proposta pelo executivo, mas anunciava que ia
estar vigilante.
Mas preferiu o golpe de teatro. Agora recuou por completo.
E, apesar do aviso que deixou no final, o Presidente corre o risco de
se tornar irrelevante.
Cavaco tentou salvar os restos mortais do acordo afirmando que para o
futuro ficou uma semente: a cultura de diálogo.
Não é verdade. Nenhum dos partidos queria o acordo e todos tinham
razões para não respeitarem a vontade do Presidente.
Não houve e não há consenso porque os partidos querem coisas
diferentes. Para haver um consenso, era preciso que existissem condições para
harmonizar as posições de todos.
Não existem. Deixaram de existir. Está errado o Presidente quando diz
que estavam reunidas as condições propícias para um acordo. Talvez tenha razão
ao afirmar que um dia a realidade o pode vir a impor.
Cavaco reconduziu um governo que abriu uma crise política que penalizou
gravemente o país e as instituições e cujos líderes não confiam um no outro.
A emergência nacional que justificou há dez dias o apelo desesperado de
Cavaco Silva parece ter desaparecido como que por milagre.
O apelo ao acordo significava que o governo já não era capaz; agora,
Cavaco tem de readmitir em plenitude de funções um governo que ele próprio
colocou em gestão.
A crise segue dentro de momentos. Pior do que antes do patético apelo
do Presidente. Com os partidos mais distantes uns dos outros e mais
radicalizados do que antes das negociações falhadas.
Cavaco sabe que não voltará a ser escutado da mesma maneira até ao
final do seu mandato. Mesmo que tenha deixado no ar, de forma suave, a ameaça
da bomba atómica.
Cavaco sabe que a maioria não ouvirá as recomendações que o Presidente
deixou.
O Presidente jogou forte e perdeu. É provável que se tenha tornado
irrelevante.
É preciso um compromisso nacional para salvar o Presidente da
República.
Comunicação de Cavaco Silva na íntegra
MIGUEL GASPAR - Público
Comunicação de Cavaco Silva na íntegra
MIGUEL GASPAR - Público

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