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sábado, 14 de agosto de 2010

Superlotação:


A cadeia estava superlotada. Tivemos que acabar com uma secção onde tínhamos a carpintaria e adaptá-la para camarata, para alocar reclusos. Alocou-se ali quarenta! As condições já eram exíguas, assim ficaram mais. Quando começa a faltar o espaço físico começam as complicações. Chegamos a ter cento e cinquenta reclusos! A lotação era de vinte e nove. Teve que se improvisar. Não cabiam no refeitório a maioria comia nos corredores, colocamos mesas e cadeiras. O espaço ficou exíguo. Não havia camas, colchões, roupa de cama, talheres. Foi-nos dito pela Divisão das Penas e Medidas de Segurança para não aceitarmos mais reclusos. Dizer à G. N. R. e P. S. P. quando ali fossem entregar por ordem dos tribunais para os levar ao E. P. R. Braga. Os tribunais da Comarca de Amarante, Mondim de Bastos, Celorico de Bastos e Cabeceiras de Bastos, ficaram a pertencer ao E. P. R. Vila Real. Os reclusos que estavam presos à ordem daqueles tribunais nesse momento foram transferidos. A Cadeia ficou com outras condições.
O juiz do Tribunal de Execução de Penas, do Porto, era o juiz Cabral Ribeiro. Fazia confiança no meu trabalho. Muitos reclusos beneficiaram da saída precária prolongada. Foi sempre um êxito. Regressaram sempre. Nunca faltou um recluso. Um dia apareceu na Cadeia para se fazer o Conselho Técnico e não tinha chegado o Director nem a Técnica de Reinserção Social. Comentei-lhe esse facto. Obtive como resposta se faziam alguma falta! Tenho a dizer que foi do Conselho Técnico que mais reclusos beneficiaram de saída precária. O que me pedia sempre era para lhes demonstrar a responsabilidade da medida que a partir daquele momento iam beneficiar. Como era meu hábito, depois de acabado o Conselho Técnico, chamava os reclusos um por um e dava-lhes a conhecer o resultado. Aos que iam pela primeira vez, exigia-lhes que a sua apresentação tinha de ser antes trinta minutos e todos cumpriam com o estipulado. Assim como aos que eram indeferidos dizia-lhes o motivo. Não era só dar as boas notícias. As más também têm que se dar e houve reclusos que reagiram mal. São os ossos do ofício.
Num invento ao qual tive a oposição da corporação de guardas, mas como não estava ali para receber as suas ordens, avancei com uma ideia e com a colaboração do Professor José Manuel e autorização do Director. O recreio onde os reclusos passavam a maior parte do tempo era o único espaço a céu aberto. Era reduzido. Só dava para jogar voleibol. Não tinha capacidade para mais. Este desporto não requer muita movimentação. Fui com o Professor José Manuel a várias instituições da cidade de Guimarães que possuíam pavilhão gimnodesportivo se nos arranjavam um horário aos sábados na parte da manhã. Estavam todos ocupados. A nossa única esperança era o pavilhão desportivo da Escola C+S de S. Torcato. Pedimos uma reunião com o presidente do Conselho Directivo a qual nos foi marcada. Nessa reunião o presidente do Conselho Directivo mostrou-se receptivo. Havia um horário aos sábados de manhã mas com a condição de termos de pagar o tempo de serviço ao empregado responsável pelo dito pavilhão - mais tarde e num programa de televisão, vejo o presidente do Conselho Directivo ser nomeado seleccionador Nacional de futebol das camadas jovens e que se chama Agostinho Oliveira - eu e o professor ficamos contentes. Agora era meter mãos à obra.
No princípio comecei a seleccionar a maioria de reclusos que beneficiavam da flexibilidade da pena. Não queria que logo no princípio desse barraca. Tinha as minhas folgas aos sábados e domingos, mas todos os sábados de manhã - a expensas minhas, residia a vinte e cinco quilómetros de distância - lá aparecia e dava-lhes a preparação física e jogava futebol de cinco com eles. Como tive uma vida dedicada ao futebol sabia executar e ensinar a maioria dos exercícios e ali me entretinha. Este invento teve um efeito benéfico na disciplina por parte da população prisional. A partir dali sabiam que eram seleccionados os que tinham bom comportamento. Se um recluso por qualquer motivo cometesse uma infracção ou que não desempenhasse os seus deveres laborais, sabia de antemão, que não era seleccionado. Todos os sábados iam na viatura celular, dez a doze reclusos, acompanhados pelo motorista e um guarda a fazer a custódia, - conforme o turno de serviço, se não iam dois - quando ia só um, ia na viatura celular, quando iam dois ia no meu carro. Os meios eram escassos não se podia levar mais reclusos, mas era melhor isto que nada. Não iam sempre os mesmos, revezava-os, mas ia sempre uns cinco ou seis habituais para contrabalançar e tomarem conta uns dos outros. Eles sabiam que eram os verdadeiros beneficiados e se as coisas corressem mal acabava-se com tudo. A corporação de guardas a certa altura aderiu e havia uma equipa de presos e outra de guardas, que se defrontavam. Aí a segurança já não era tão problemática.
Continua

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