A cadeia estava superlotada. Tivemos que acabar com uma secção onde
tínhamos a carpintaria e adaptá-la para camarata, para alocar reclusos.
Alocou-se ali quarenta! As condições já eram exíguas, assim ficaram mais. Quando
começa a faltar o espaço físico começam as complicações. Chegamos a ter cento e
cinquenta reclusos! A lotação era de vinte e nove. Teve que se improvisar. Não
cabiam no refeitório a maioria comia nos corredores, colocamos mesas e cadeiras.
O espaço ficou exíguo. Não havia camas, colchões, roupa de cama, talheres. Foi-nos
dito pela Divisão das Penas e Medidas de Segurança para não aceitarmos mais
reclusos. Dizer à G. N. R. e P. S. P. quando ali fossem entregar por ordem dos
tribunais para os levar ao E. P. R. Braga. Os tribunais da Comarca de Amarante,
Mondim de Bastos, Celorico de Bastos e Cabeceiras de Bastos, ficaram a
pertencer ao E. P. R. Vila Real. Os reclusos que estavam presos à ordem
daqueles tribunais nesse momento foram transferidos. A Cadeia ficou com outras
condições.
O juiz do Tribunal de Execução de Penas, do Porto, era o juiz Cabral
Ribeiro. Fazia confiança no meu trabalho. Muitos reclusos beneficiaram da saída
precária prolongada. Foi sempre um êxito. Regressaram sempre. Nunca faltou um
recluso. Um dia apareceu na Cadeia para se fazer o Conselho Técnico e não tinha
chegado o Director nem a Técnica de Reinserção Social. Comentei-lhe esse facto.
Obtive como resposta se faziam alguma falta! Tenho a dizer que foi do Conselho
Técnico que mais reclusos beneficiaram de saída precária. O que me pedia sempre
era para lhes demonstrar a responsabilidade da medida que a partir daquele
momento iam beneficiar. Como era meu hábito, depois de acabado o Conselho
Técnico, chamava os reclusos um por um e dava-lhes a conhecer o resultado. Aos
que iam pela primeira vez, exigia-lhes que a sua apresentação tinha de ser
antes trinta minutos e todos cumpriam com o estipulado. Assim como aos que eram
indeferidos dizia-lhes o motivo. Não era só dar as boas notícias. As más também
têm que se dar e houve reclusos que reagiram mal. São os ossos do ofício.
Num invento ao qual tive a oposição da corporação de guardas, mas como
não estava ali para receber as suas ordens, avancei com uma ideia e com a
colaboração do Professor José Manuel e autorização do Director. O recreio onde
os reclusos passavam a maior parte do tempo era o único espaço a céu aberto. Era
reduzido. Só dava para jogar voleibol. Não tinha capacidade para mais. Este
desporto não requer muita movimentação. Fui com o Professor José Manuel a
várias instituições da cidade de Guimarães que possuíam pavilhão gimnodesportivo
se nos arranjavam um horário aos sábados na parte da manhã. Estavam todos
ocupados. A nossa única esperança era o pavilhão desportivo da Escola C+S de S.
Torcato. Pedimos uma reunião com o presidente do Conselho Directivo a qual nos
foi marcada. Nessa reunião o presidente do Conselho Directivo mostrou-se
receptivo. Havia um horário aos sábados de manhã mas com a condição de termos
de pagar o tempo de serviço ao empregado responsável pelo dito pavilhão - mais
tarde e num programa de televisão, vejo o presidente do Conselho Directivo ser
nomeado seleccionador Nacional de futebol das camadas jovens e que se chama
Agostinho Oliveira - eu e o professor ficamos contentes. Agora era meter mãos à
obra.
No princípio comecei a seleccionar a maioria de reclusos que
beneficiavam da flexibilidade da pena. Não queria que logo no princípio desse
barraca. Tinha as minhas folgas aos sábados e domingos, mas todos os sábados de
manhã - a expensas minhas, residia a vinte e cinco quilómetros de distância -
lá aparecia e dava-lhes a preparação física e jogava futebol de cinco com eles.
Como tive uma vida dedicada ao futebol sabia executar e ensinar a maioria dos
exercícios e ali me entretinha. Este invento teve um efeito benéfico na disciplina
por parte da população prisional. A partir dali sabiam que eram seleccionados
os que tinham bom comportamento. Se um recluso por qualquer motivo cometesse
uma infracção ou que não desempenhasse os seus deveres laborais, sabia de
antemão, que não era seleccionado. Todos os sábados iam na viatura celular, dez
a doze reclusos, acompanhados pelo motorista e um guarda a fazer a custódia, -
conforme o turno de serviço, se não iam dois - quando ia só um, ia na viatura
celular, quando iam dois ia no meu carro. Os meios eram escassos não se podia
levar mais reclusos, mas era melhor isto que nada. Não iam sempre os mesmos,
revezava-os, mas ia sempre uns cinco ou seis habituais para contrabalançar e
tomarem conta uns dos outros. Eles sabiam que eram os verdadeiros beneficiados
e se as coisas corressem mal acabava-se com tudo. A corporação de guardas a
certa altura aderiu e havia uma equipa de presos e outra de guardas, que se
defrontavam. Aí a segurança já não era tão problemática.Continua
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