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sábado, 14 de agosto de 2010

A corporação de guardas:


Era reduzida para o serviço que nos estava incumbido. Tínhamos muitos Tribunais de Comarcas sobre a nossa jurisdição: Guimarães, Fafe, Lousada, Felgueiras, Amarante, Mondim de Bastos, Celorico de Bastos e Cabeceira de Bastos, e só tínhamos uma viatura celular. Houve dias em que os juízes se insurgiam contra nós pelo atraso. Sem ovos não se faz omeletas. No aspecto da laboração dos reclusos havia: os faxinas do refeitório, dos corredores, do parlatório, das hortas, o serralheiro, o carpinteiro, o alfaiate e os reclusos na cosedura de sapatos. Trabalhava-se para a fábrica Kyaia, Campeão Português e para a dona Joaquina.
Sempre que vinham trazer sapatos havia um recluso encarregado de os receber e distribui-los pelos outros, assim como saber e ensinar o ponto que, de modelo para modelo, sofria modificações. Os reclusos mais desembaraçados tinham meses de tirar quarenta mil escudos. De tempo em tempo mudava o encarregado para não entrar na rotina. Houve reclusos que se queixaram que lhe tinham apontado menos sapatos do que os que tinha confeccionado. A dona Joaquina era intermediária uma vez trouxe um tipo de sapatos idênticos aos da Kyaia. O recluso encarregado dos sapatos disse-me que ela pagava menos vinte e cinco tostões e que assim estavam a ser explorados. Que havia reclusos que se negavam a executar o trabalho que ela trazia. Falei com a dona Joaquina que se não desse mais os reclusos negavam-se a trabalhar para ela. Argumentou que não podia dar mais e que esses vinte e cinco tostões eram o ganho dela. Que me ia arrepender.
A Kyaia deixou de nos trazer calçado. Notei logo que havia mão da dona Joaquina. Falei com o Professor José Manuel, dava aulas na cadeia, era uma pessoa bem relacionada em Guimarães e um desenrasque para a cadeia e para mim. Telefonou para a administração da Kyaia a pedir uma reunião. Nessa reunião pedimos se nos voltavam a dar sapatos para coser. Queríamos os reclusos ocupados e não tínhamos nada para os ocupar. O administrador disse que a missão deles era ganhar dinheiro e ao entregar os sapatos à dona Joaquina ganhava uma viatura e um motorista. De lá viemos sem antes agradecer a cortesia e que estávamos sempre ao dispor. Passados uns meses vieram-nos pedir para trabalhar novamente para eles. A dona Joaquina não era capaz de satisfazer as encomendas. Antes o desenrasque dela era a Cadeia. Ficamos contentes, eu, o Professor e os reclusos.
Havia uma brigada de reclusos a trabalhar diariamente para a Câmara Municipal de Guimarães. Tinham sido propostos os que mereciam mais confiança e conforme o tipo de pena e com mais carências financeiras e familiares. Acompanhava os reclusos um Guarda de segunda a sexta-feira só para este efeito. Havia outro que o rendia nas férias. Vinha uma viatura da Câmara com um encarregado buscar os reclusos assim como o guarda. Ao meio-dia vinham almoçar, às treze horas e trinta minutos, vinham novamente buscá-los e regressavam às dezassete horas e trinta minutos.
Um dia o guarda que de vez em quando fazia rendição disse-me que também necessitava de fazer este serviço ao que lhe perguntei qual o motivo. Disse-me que como fazia serviço de segunda a sexta-feira - fazia diligências aos tribunais, hospitais, etc. - se fosse para brigada da Câmara ganhava mais algum dinheiro. Fiquei estupefacto com tal afirmação! Pedi-lhe para me explicar melhor. Tendo-me dito que o guarda ganhava um ordenado igual aos reclusos pago pela Câmara. Se estava estupefacto mais estupefacto fiquei! Fui inteirar-me com o Professor José Manuel, recebendo como resposta, que a condição que se pôs foi que o guarda só ia se ganhasse um ordenado. Combinaram com a Câmara que se inscrevia mais um recluso na folha de vencimento, esse ordenado, era para o guarda que custodiava a brigada. Disse ao Professor para resolver o mais rápido possível com a Câmara que a partir daquele momento não queria tal situação. No mês seguinte o guarda veio estar comigo dizendo que o tinha prejudicado. Tinha comprado um carro novo e andava a pagar a prestação com aquele dinheiro. Respondi-lhe para ganhar juízo senão ainda tinha que repor o dinheiro até ali recebido.
Continua

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