Era reduzida para o serviço que nos estava incumbido. Tínhamos muitos
Tribunais de Comarcas sobre a nossa jurisdição: Guimarães, Fafe, Lousada,
Felgueiras, Amarante, Mondim de Bastos, Celorico de Bastos e Cabeceira de
Bastos, e só tínhamos uma viatura celular. Houve dias em que os juízes se
insurgiam contra nós pelo atraso. Sem ovos não se faz omeletas. No aspecto da
laboração dos reclusos havia: os faxinas do refeitório, dos corredores, do
parlatório, das hortas, o serralheiro, o carpinteiro, o alfaiate e os reclusos
na cosedura de sapatos. Trabalhava-se para a fábrica Kyaia, Campeão Português e
para a dona Joaquina.
Sempre que vinham trazer sapatos havia um recluso encarregado de os
receber e distribui-los pelos outros, assim como saber e ensinar o ponto que,
de modelo para modelo, sofria modificações. Os reclusos mais desembaraçados
tinham meses de tirar quarenta mil escudos. De tempo em tempo mudava o
encarregado para não entrar na rotina. Houve reclusos que se queixaram que lhe
tinham apontado menos sapatos do que os que tinha confeccionado. A dona
Joaquina era intermediária uma vez trouxe um tipo de sapatos idênticos aos da Kyaia.
O recluso encarregado dos sapatos disse-me que ela pagava menos vinte e cinco
tostões e que assim estavam a ser explorados. Que havia reclusos que se negavam
a executar o trabalho que ela trazia. Falei com a dona Joaquina que se não
desse mais os reclusos negavam-se a trabalhar para ela. Argumentou que não
podia dar mais e que esses vinte e cinco tostões eram o ganho dela. Que me ia
arrepender.
A Kyaia deixou de nos trazer calçado. Notei logo que havia mão da dona
Joaquina. Falei com o Professor José Manuel, dava aulas na cadeia, era uma
pessoa bem relacionada em Guimarães e um desenrasque para a cadeia e para mim.
Telefonou para a administração da Kyaia a pedir uma reunião. Nessa reunião
pedimos se nos voltavam a dar sapatos para coser. Queríamos os reclusos
ocupados e não tínhamos nada para os ocupar. O administrador disse que a missão
deles era ganhar dinheiro e ao entregar os sapatos à dona Joaquina ganhava uma
viatura e um motorista. De lá viemos sem antes agradecer a cortesia e que
estávamos sempre ao dispor. Passados uns meses vieram-nos pedir para trabalhar
novamente para eles. A dona Joaquina não era capaz de satisfazer as encomendas.
Antes o desenrasque dela era a Cadeia. Ficamos contentes, eu, o Professor e os
reclusos.
Havia uma brigada de reclusos a trabalhar diariamente para a Câmara
Municipal de Guimarães. Tinham sido propostos os que mereciam mais confiança e
conforme o tipo de pena e com mais carências financeiras e familiares.
Acompanhava os reclusos um Guarda de segunda a sexta-feira só para este efeito.
Havia outro que o rendia nas férias. Vinha uma viatura da Câmara com um
encarregado buscar os reclusos assim como o guarda. Ao meio-dia vinham almoçar,
às treze horas e trinta minutos, vinham novamente buscá-los e regressavam às
dezassete horas e trinta minutos.
Um dia o guarda que de vez em quando fazia rendição disse-me que também
necessitava de fazer este serviço ao que lhe perguntei qual o motivo. Disse-me
que como fazia serviço de segunda a sexta-feira - fazia diligências aos
tribunais, hospitais, etc. - se fosse para brigada da Câmara ganhava mais algum
dinheiro. Fiquei estupefacto com tal afirmação! Pedi-lhe para me explicar
melhor. Tendo-me dito que o guarda ganhava um ordenado igual aos reclusos pago
pela Câmara. Se estava estupefacto mais estupefacto fiquei! Fui inteirar-me com
o Professor José Manuel, recebendo como resposta, que a condição que se pôs foi
que o guarda só ia se ganhasse um ordenado. Combinaram com a Câmara que se
inscrevia mais um recluso na folha de vencimento, esse ordenado, era para o
guarda que custodiava a brigada. Disse ao Professor para resolver o mais rápido
possível com a Câmara que a partir daquele momento não queria tal situação. No
mês seguinte o guarda veio estar comigo dizendo que o tinha prejudicado. Tinha
comprado um carro novo e andava a pagar a prestação com aquele dinheiro.
Respondi-lhe para ganhar juízo senão ainda tinha que repor o dinheiro até ali
recebido.Continua
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