Um dia o recluso que se fez passar por padre veio para aqui
transferido. O Director Geral telefonou ao Director a dizer que a transferência
era temporária. Conhecia-o. Sabia que era educado e que tinha uma inteligência para
além da normal. Vinha para aqui reivindicar. Por todos os E. P. que passou
deixou a sua marca. Nenhum Director ou Chefia da Guarda gostava de o ter no seu
E. P.. Tocava-me a mim tal prenda. Propus ao Director que o colocássemos como
faxina numa pequena biblioteca que ali existia e assim estava fora da zona
prisional. Estava melhor controlado por nós e menos tempo passava com os seus
companheiros. Gostava de ser líder. Começou a ter a sua movimentação e passado
pouco tempo o Director colocou-o a fazer limpeza ao seu gabinete, com a minha
discordância.
Na zona prisional começou a usar essa influência para tirar partido de
certas benesses dos reclusos. Passado uns meses o recluso como sabia que a sua
situação era precária, pediu a sua afectação à Cadeia. Foi reunido o Conselho
Técnico para se pronunciar. Fui contrário à sua afectação, assim como a Técnica
do Instituto de Reinserção Social, não havia Técnico de Educação e Ensino, só o
Director foi favorável.
Na Cadeia havia assistência religiosa. Aos sábados de manhã, ia
celebrar missa o Padre Domingos, responsável pela Igreja de Nossa Senhora de
Oliveira – junto ao Campo de S. Mamede, Guimarães - auxiliado pelo Sr.
Ferreira, como sacristão. O padre Domingos não demorou muito a pedir ao
Director a colocação do dito recluso como seu auxiliar. O que foi aceite
novamente mas sempre com a minha discordância. O recluso começou a
movimentar-se melhor e passado uns dias pediu o Regime Aberto Voltado para o
Interior. Fui o único a opor-me. Até a Técnica de Reinserção Social que uns
meses antes foi contrária à sua afectação, agora era a favor.
Na altura havia em Vizela uma fábrica de calçado com o nome Veleiro. O
seu dono relacionava-se bem com o padre Domingos. Fez um pedido para esse
recluso ir para lá trabalhar. Foi efectuado novo Conselho Técnico, para a
colocação agora em Regime Aberto Voltado Exterior. Voltaram a ser favoráveis. Eu
como sempre fui contra. Começou a desempenhar funções na dita fábrica. Saía de
manhã e regressava à tarde de segunda a sexta-feira. Mais tarde a fábrica
argumentou que precisava dos seus serviços aos sábados o que também foi
autorizado.
Uma segunda-feira de manhã quando cheguei ao serviço - trabalhava de
segunda a sexta-feira, folgava sábados e domingos - uma funcionária disse-me
que no sábado este recluso ajudou o Padre Domingos a celebrar a missa e fez a
homilia pondo os fiéis todos a chorar. No final e quando todos saiam da Igreja
foram-lhe dar dinheiro. Não estava a gostar do que sucedia e vinha a suceder. Fiz
uma informação por escrito ao Director.
Passado pouco tempo veio transferido para a Cadeia de Guimarães
Subchefe Abreu. Era mais velho na carreira. Ficou com a missão de chefiar mas
sempre com a minha colaboração. Estava o Subchefe de Guardas Abreu de férias,
andava farto das peripécias do recluso, para mais nesse dia o recluso não tinha
ido trabalhar e escreveu para o jornal, O Caso, coisas bastantes graves. Apreendi-lhe
a correspondência e como desconfiava que o Director já andava manietado pelo
recluso resolvi fazer uma chamada telefónica para o Director Geral. Quando
estava a pedir a ligação, entrou o Subchefe Abreu, nesse dia fez a apresentação
de férias. Disse-lhe que ia fazer uma chamada telefónica para o Director Geral,
sobre o recluso faxina da biblioteca que já não o podia suportar mais. Ao que
me respondeu para fazer o que quisesse mas, se fosse ele, aguardava mais uns
dias. Não aguardei. A secretária do Director Geral pôs-me em contacto com ele.
Apresentei-me. De seguida falei-lhe do recluso e do teor da carta. O Director
Geral perguntou-me se ali não existia um Director ao que lhe respondi, haver,
há, mas é mesma que não exista. Disse-me para quando chegasse lhe telefonar e
que eu mandasse passar uma revista à cela e apreendesse a correspondência
suspeita e se houvesse motivo para lhe voltar a telefonar. Foi feita a
respectiva revista. Acompanhei-a de princípio ao fim com o recluso presente.
Entre vária documentação, foi-lhe apreendida uma agenda em que o recluso
apontava o seu dia-a-dia, referia-se a várias pessoas entre elas juízes,
advogados, as cadeias por onde passou com todos os pormenores e do próprio
Directo Geral. Entrei novamente em contacto com o Director Geral dando-lhe
conta do que se encontrou na revista, tendo-me dito para lhe enviar toda a
documentação apreendida. Mais tarde o Director chegou à cadeia, disse-lhe para
telefonar ao Director Geral. De seguida fui chamado juntamente com o Subchefe
Abreu ao gabinete do Director, dando-nos conta que o Director Geral tinha
suspendido o RAVE ao recluso, mas que o queria informar na nossa presença. Foi
chamado e comunicado mas o que me deu a entender era que o Director tinha
receio de o confrontar sozinho. Passado uns dias, foi transferido para um E.
P., na zona de Lisboa, nunca mais soube do seu rasto.Continua
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