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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Natal e Páscoa:

Passei dois Natais e uma Páscoa em Balacende. Eram datas difíceis para nós, principalmente o Natal, em que a família se reúne. No Natal comíamos as batatas com bacalhau e não faltava o bolo-rei. Na Páscoa não faltava o cabrito assado e pão-de-ló. Nesses dias havia maior vigilância, não fosse o diabo tecê-las. Mas parece que o nosso inimigo também celebrava o mesmo que nós.
Nesses dias recebíamos mais correspondência. Todos se lembravam de nós e da nossa parte também havia as mensagens via rádio e televisão. Nunca fui receptivo. Achava que era uma farsa. Era a psicologia a funcionar e valorizava mais o terra a terra.


                                                              Postais de Boas-festas

 
Feliz Páscoa 
No segundo Natal tínhamos vinte meses de comissão e sentíamo-nos cansados e isolados. Qualquer discussão entre soldados não se dizia: dou-te uma sapatada! Era: dou-te um tiro. 
Comecei a ver certas coisas e não estava a gostar. Para me refugiar oferecia-me como voluntário para o acampamento da J. A. E. A. ao menos lá não havia tanta confusão. Quando nos devíamos mostrar mais unidos era o contrário e não tínhamos razão para tal. 
Foi formado um pelotão que só fazia operações. Quem chefiava esse pelotão era um alferes dos Comandos que veio transferido para a minha companhia. 
Fizeram muitas capturas ao inimigo, mas era população que trabalhava as lavras, (terrenos de cultivo) de operacionais nem vê-los e ainda bem. Quem viesse a seguir que acabasse com a guerra. Com essas capturas formou-se em Quicabo uma aldeia que comportava umas duas mil pessoas.
Começamos a ficar desleixados fruto da velhice e de nos julgarmos superiores. Até o capitão que tantas vezes nos dizia para não nos abandalharmos, no dia dezassete de Fevereiro de mil novecentos e setenta e três, como o pelotão estava um pouco atrasado, numa viatura civil pertencente à J. A. E. A., juntamente com o motorista resolveu ir à frente para Quicabo.
Quando o pelotão lá chegou e como não o tinha apanhado pelo caminho e nem ali o encontrado, passado pouco tempo, o alferes foi falar com o comandante do batalhão dando-lhe conta da ocorrência. 
Foi comunicado via rádio para Balacende para sair um pelotão e vir com atenção para ver se o encontravam despistado na mata. A meio da viagem entre Balacende e Quicabo, foi encontrada a viatura despistada numa ribanceira, com o capitão morto e o motorista bastante ferido.

O motorista foi evacuado para um hospital de Luanda e o capitão levado para o quartel. Argumentou-se que tinham caído numa emboscada e foi esse o motivo do despiste. Chocou-nos bastante, durante dois dias fizemos-lhe guarda de honra até ir para Luanda, para o seu corpo ir para o continente.
Era um capitão ainda jovem, solteirão, tinha muito a dar ao exército. Tinha espírito de comando e iniciativa. Não sei se vinha a ser um capitão de Abril. Alguns não gostavam dele por ser muito disciplinador, digo isto e não beneficiei de algo dele, pelo contrário, por várias vezes me castigou com reforços à benfica.
Passou a comandar a companhia um alferes. As coisas não eram as mesmas. Sentíamo-nos órfãos. Tínhamo-nos de fazer fortes para chegarmos ao fim e esse fim estava próximo. 

Um dia estava de serviço no posto de rádio e recebo uma mensagem para me apresentar em Quicabo, para fazer treinos e estágio, para jogarmos um jogo de futebol contra o batalhão 3840, nos festejos da nossa despedida.
Entreguei a mensagem ao comandante da companhia (alferes) e ao outro dia sou escalado para fazer uma operação de três dias. 

A operação correu bem até porque a poucos dias do nosso regresso ao Grafanil, Luanda, para aguardarmos embarque, não estávamos para nos cansar e arriscar a vida.
Continua

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