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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Nem uma vida de um único jovem para guerra alguma. Pela derrota da nossa nação, pela vida do nosso povo:

Ouvi António Filipe ontem responder a Gouveia e Melo sobre a guerra. Sem surpresas, um desastre. De um lado uma cena de ópera bufa - um Almirante militarista, ignorante, de mão pesada - do outro um António Filipe, um quadro com saber político, a fazer o coro da oposição nacionalista militarista. De chorar, mas reflexo da total ausência de alternativa. É natural que fiquem irritados com o Candidato Vieira, ele sim é a ópera bufa que desvela a realidade trágica. Vejamos.
As classes da modernidade são quem trabalha e as burguesias que sucederam à nobreza - a burguesia para existir precisa de um Estado (território, fronteiras, emissão de dívida no Banco Nacional, colecta de impostos, exército, de preferência também uma língua, um teatro nacional, uma ópera nacional, para construir uma comunidade "imaginada" onde não há trabalhadores e burgueses, apenas o "interesse nacional"). Em nome do "interesse nacional" - nome de matérias primas e investimentos dos burgueses - os trabalhadores mataram-se uns aos outros na I Guerra e na II Guerra e em muitas outras. Gouveia e Melo explicou no debate que acha normal os jovens portugueses morrerem em nome do interesse da burguesia norte americana e europeia (NATO), de que a burguesia portuguesa é subsidiária - fica com umas migalhas de fundos imobiliários e exportação de azeite com trabalho escravo vigiado pela GNR. Nisto tem Ventura do seu lado - os jovens que votam hoje na extrema direita foram seduzidos com uma linguagem militar, de força, de que temos que defender o país, de quem? dos russos, dos imigrantes, dos comunistas. Os jovens de 15, 16, 18 anos estão impregnados de militarismo, "ser útil à pátria".
António Filipe respondeu-lhe que os jovens não devem morrer em lado nenhum a não ser "se for para defender o interesse nacional". Não terá o meu voto, lamento mas sem coragem de enfrentar a extrema direita e o militarismo ninguém terá o meu voto. Fique claro porém que fascismo algum se derrota com votos, mesmo que fossem no candidato com um programa socialista fiel aos princípios desta política no XIX. Fascismo derrota-se com lutas. Mas os jovens não devem morrer para salvar negócio algum, ponto. Sem mas. Dizer o contrário é uma monstruosidade. Não me surpreende, o estudo do PCP foi a minha tese de doutoramento, mas pensei que no contexto actual pelo menos ficava em cima do muro, ou desviava e cantava um Cante. Nem isso. E assim temos três candidatos da direita, ultra direita e extrema direita todos candidatos da guerra, sem oposição digna desse nome. Poupem-me com a posição do Bloco de Esquerda, sobre este tema, que é um desastre, a do Livre também, desde a Líbia que Rui Tavares está com os militaristas verdes alemães. Ou a do PS, cujo chefe mor da UE para o assunto ganha 45 mil euros por mês para defender, sim Costa, o fecho de maternidades e o aumento do investimento em guerra ("o Estado social não se pode sobrepor à segurança", é o bordão para receber 45 mil euros mensais e um banho de sangue que já se saldou em centenas de milhar de mortos de jovens ucranianos e russos a defender o seu "interesse nacional", nesse caso russo ou ucraniano).
Os Partidos socialistas ruíram na I Guerra por apoiaram a sua nação e não a solidariedade entre todos os trabalhadores do mundo contra o capitalismo (a bandeira da Comuna de Paris de 1871 era vermelha porque os trabalhadores não tinham Nação, a sua nação era a solidariedade internacional).
Em 1915 sob a coragem de Rosa Luxemburgo, Trotsky, Rakovsky, Lenine, eram duas dúzias, não mais, reuniram-se em Zimmerwald na Suíça os líderes socialistas que não tinham capitulado ao chauvinismo, para dizer isto, num Manifesto, - por outras palavras "eu quero que a minha nação seja derrotada, que cada nação nossa seja derrotada na guerra, porque esta guerra não é nossa, é das burguesias, a esta guerra respondemos com a guerra revolucionária, ou seja, a luta social, a unidade de todos os trabalhadores do mundo entre si contra o capitalismo, contra os nossos Estados". A revolução russa foi a bandeira do internacionalismo, que cumpriu Zimmerwald e assinou, com imensa perdas de território, a paz e apoiou as revoluções no mundo, a guerra de classes contra as guerras nacionais. Ergueu de novo o socialismo, até Estaline chegar ao poder e o nacionalismo comunista imperar, outra vez. O PCP não é filho do anarco sindicalismo de 1921, mas da reorganização estalinista de 1941. A rigor fez 80 anos, não 100. O internacionalismo e a solidariedade foram derrotados na Península na derrota da revolução espanhola, nos anos 1930, a ultima esperança contra o fascismo. Sobrou-lhe ao PCP coragem, para resistir, nas prisões, mas isso não faz um partido. É preciso saber contra quem se luta. Luta-se contra o "interesse nacional" pelo interesse dos trabalhadores, que não tem pátria.
Tudo o se possa dizer sobre Gouveia e Melo fica aquém - um militar, responsável pela logística de vacinas (o chefe do armazém), que não resolveu problema algum, é elevado a herói nacional, e depois de humilhar os seus subordinados, que se tinham recusado a entrar num navio a deitar fumo, militares que ele decidiu repreender em frente da TV - já estava em campanha -, disse que tinha que "eliminar os vestígios do PREC nas forças armadas". Voltou a dizer que os jovens portugueses devem morrer para salvar as propriedades e investimentos norte-americanos e das classes dirigentes da UE ("salvar a NATO"), apoia a eleição para PR sem sufrágio directo, faz afirmações de um ditador, várias, que desconhece aliás princípios constitucionais modernos elementares (ficou chocado com as escutas mas por “serem ao chefe de Estado”, já ao cidadão comum pouco importa...). É além do mais, ridículo. É preciso uma completa ausência de oposição para olhar chocado o fascista de serviço - Ventura - mas não atacar a forma ditatorial de Estado que Gouveia e Melo defende, com frequência. O fato e gravata e o tom baixo não o coloca longe de Ventura nas propostas autocráticas. Gouveia e Melo é uma ameaça à democracia. Já normalizámos um Almirante como Chefe de Estado sem parar para lhe dizer, face a face, que uma nação que aqui chega tem um projecto, e esse projecto não é democrático.
Quem acha que vai derrotar o fascismo numa frente ampla onde cabe tudo e o seu contrário ainda não percebeu do que a burguesia é capaz quando os seus investimentos do seu interesse nacional estão em risco pela concorrência capitalista. Que vai esmagando todos os interesses nacionais, concentrando cada vez mais riqueza num império, nas mãos de poucos e fazendo da economia de guerra "o mercado normal a funcionar". Os jovens podem “morrer de amores”, nunca de "interesse nacional".
Infelizmente, a esquerda terá que se construir, de novo. Nação e povo não são a mesma coisa, embora o imaginário burguês assim o tente identificar. Pela derrota da nossa nação, pela vida do nosso povo, devemos fazer como em Zimmerwald, há 100 anos. A história deu-lhes razão, dois anos depois de Zimmwerwald, onde só estavam 20 socialistas, milhões de europeus, em greve, e revoluções, pararam a guerra e obrigaram ao armistício.

Hoje, como há 100 anos o nosso programa de esquerda face à guerra é este - organização social, greves e revoluções contra todas as guerras feitas em nome do interesse nacional. Defendemos - atenção / não o pacifismo estéril, a paz em abstracto ou ir como cordeirinhos ser mortos às mãos de um qualquer Almirante da NATO ou a versão nacional patriótica da esquerda nacionalista - defendemos a luta socialista, igualitária, revolucionária, social, contra a guerra, todas as guerras. Contra todos os "interesses nacionais". O nosso interesse é ao lado dos jovens ucranianos, russos, palestinianos, espanhóis, mexicanos, norte americanos, e todos juntos estamos contra o "interesse nacional". A pátria - escreveu Brecht - é o lugar que escolhemos para lutar pela humanidade.

 Raquel Varela

 

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