Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Sinceramente sugiro que leiam e tirem as vossas conclusões. As minhas foram preocupantes, com esta justiça...


Exma. Senhora Juíza Presidente, 

Por razões que não vêm ao caso, só agora li o despacho em que – finalmente – a senhora Juíza me concede o prazo que a lei determina para proceder à escolha de um novo advogado. Tal despacho suscita-me, enquanto sujeito processual, algumas inquietações que desejo comunicar aos autos e requerer a atenção e providências do tribunal, tendo sempre presente os valores de contenção e de respeito que devem ser reciprocamente ser seguidos na linguagem de relacionamento entre magistrados e as partes num processo em julgamento.

I – As “manobras dilatórias”

Começo pelo que mais me ofende - a senhora juíza classifica a renúncia do meu advogado como uma “manobra dilatória”, deixando sugerido no texto que foi combinado comigo.  Acontece que esse comentário é falso e é injusto e apenas o tomo como mais um sintoma dos juízos de intenção em que todo este processo tem sido fértil e também, lamento dizê-lo, um sinal de parcialidade que é impróprio da função e do poder judicial. 

Sou alheio à decisão do meu advogado, que me acompanhou ao longo deste penoso e infamante processo, numa luta difícil e absolutamente desigual de muitos anos, perante um poder que, de forma impune, viola direitos fundamentais e até as mais elementares regras do processo. Perco, com a saída do meu advogado, um conhecimento inigualável do processo, que é difícil substituir. Ele e a Senhora Juíza saberão melhor o que terá ocorrido dentro daquela sala de audiências para motivar tal atitude. Mas não há, para mim, qualquer dúvida do seguinte: o principal penalizado pelo ocorrido sou eu. Para mim, nada disto é uma brincadeira.

Mas já que a senhora juíza fala em manobras dilatórias, convém ter presente que o inquérito demorou quatro anos e meio sem que ninguém se referir a manobras dilatórias; a instrução durou outros quatro anos e meio sem que se ouvisse tal argumento; houve quatro conflitos de competência entre juízes sem alegações de “manobras dilatórias”; e, finalmente, – o processo civil que apresentei contra o Estado em 2017 não teve qualquer avanço. Oito anos parado. Neste caso, as “manobras dilatórias” também nunca vieram ao caso. 

A perfídia do argumento das “manobras dilatórias” é que ele só existe para o individuo – nunca para o Estado. Nunca há manobra dilatória quando a acusação viola prazos, quando o tribunal recorre a criativos “erros de escrita” que nunca existiram, mas que servem para alterar a acusação e manipular prazos de prescrição. Só existe manobra dilatória quando se trata do direito de defesa. Alguém ouviu falar de manobras dilatórias no caso “Influencer” que dura há dois anos? Alguém se perguntou se a averiguação preventiva ao atual primeiro-ministro não é, ela própria, uma “manobra dilatória” da necessária investigação? Senhora Juíza Presidente, com todo o respeito: o Estado Judiciário não tem moral para falar de manobras dilatórias. 

As manobras dilatórias são um mito. Um mito tão antigo, tão forte e tão apoiado pelos poderes fácticos nacionais que funciona até nas circunstâncias mais absurdas. Para qualquer espírito limpo de preconceitos é fácil de entender que eu sou o principal prejudicado pela renúncia do meu advogado – mais uma vez, doze anos de trabalho e um profundo conhecimento do processo que é difícil de substituir. O argumento da intenção dilatória por detrás da renúncia não é só desonesto – é absurdo. 

II- Prazo para exame do processo e preparação da defesa

Não sou ingénuo: todo o discurso judicial que imediatamente surgiu nos jornais a propósito de eventuais prescrições tem a ver com o prazo que inevitavelmente terá que ser requerido pelo futuro advogado para estudar o processo e preparar a minha defesa. A este propósito gostaria de comunicar ao tribunal a minha posição em dois pontos: 1) tudo farei para escolher um advogado que tenha condições para iniciar a minha defesa o mais rápido possível, num processo cuja dimensão não fui eu que determinei e 2) num processo que foi criado para me atingir pessoalmente e todo ele construído para me conectar com uma miríade de factos desconexos; percebendo que a pressa que de repente assola o tribunal tenha mais a ver com as manobras dilatórias de um inquérito e acusação que em sede de instrução legitima foi absolutamente desmentida e contrariada; percebendo também que a pressa só existe perante a defesa e a violação do processo justo – o lamentável “lapso de escrita” e a ilegítima omissão de pronúncia na sequência da revogação do anterior despacho de não pronúncia; percebendo tudo isto, considero absolutamente inalienável o dever de pugnar e lutar por um processo justo compatível com as garantias de defesa.  Que não pode, absolutamente, ser subalternizada perante tudo o que já foi concedido à acusação. 

São demasiados as violações que este processo já teve de suportar : a vigarice na escolha do juiz do inquérito; a prisão em direto nas televisões; a invocação de perigo de fuga quando estava a entrar no pais e não a sair; a formidável campanha difamatória à custa da violação do segredo de justiça; o inacreditável “lapso de escrita” inventado para mudar a acusação e manipular prazos de prescrição; a investigação criminal ao juiz que considerou as acusações “fantasiosas, incongruentes e especulativas”; e finalmente, até o meu advogado o sistema judicial pretendia escolher. 

Lamento que o tribunal não tenha o discernimento ou a empatia de olhar para os factos, de ver o ponto de vista de um cidadão que tem sido perseguido para além de tudo o que é razoável e proporcional por um “sistema” que prefere cometer a injustiça – nem que seja só para salvar a face - do que reconhecer os seus erros. Peço ao tribunal que não atropele os direitos de defesa em nome de uma pressa que lhe tenha sido imposta pelas “manobras dilatórias” imprimidas a montante do mesmo e a que sou absolutamente alheio.

III- A comunicação do Tribunal ao Conselho Superior da Magistratura a propósito de prescrições. 

Um outro assunto. Logo que foi conhecida a decisão do tribunal (e para justificar o argumento das manobras dilatórias) foi referido pelos órgãos de comunicação social o assunto das prescrições. Diz assim uma notícia da SIC: 

                             “Questionado pela Lusa, o tribunal esclareceu, via Conselho Superior da Magistratura que “os crimes cuja prescrição poderá ocorrer durante o primeiro semestre de 2026 são os de corrupção ativa e passiva associados ao capítulo da acusação sobre o grupo vala do Lobo...” 

“O tribunal esclareceu”, diz a notícia. Faço notar que as questões de prescrição nunca foram discutidas em audiência de julgamento nem nunca foram colocadas em discussão por qualquer das partes (sê-lo-ão, certamente, a seu tempo). Este facto é extraordinário: é absolutamente incorreto que o tribunal decida discutir o tema com jornalistas antes de o discutir com as partes. Este comportamento é afrontoso dos direitos de defesa e do respeito devido às partes - o julgamento faz-se na sala de audiências, não nos jornais. 

Seja como for, esta notícia e esta informação vêm confirmar o escândalo que há muito denuncio – este processo penal é ilegalmente tutelado por um grupo de trabalho do órgão administrativo a quem compete fazer a gestão da carreira dos juízes. É absolutamente indecente que o tribunal se sinta obrigado e reportar a quem quer que seja sobre o andamento do processo. Esse facto poe em causa a independência do tribunal. Assim sendo, gostaria de requerer oficialmente ao tribunal que me seja entregue o dito “esclarecimento” que o tribunal deu ao Conselho, bem como toda a correspondência anterior (ou interações orais) entre o tribunal e o Conselho. A bem da publicidade do processo.

Requeiro deferimento e apresento, Senhora Juíza Presidente, os melhores cumprimentos.  

Ericeira, 20 de novembro de 2025

José Sócrates

Sem comentários:

Enviar um comentário