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quarta-feira, 12 de março de 2025

Uma indecorosa garotada:

 

«Ontem, assistimos a um dos momentos mais deprimentes da nossa democracia parlamentar. Senti-me a numa reunião de uma Associação de Estudantes, com os excitados truques de “jotinhas”. Como pode passar pela cabeça de um primeiro-ministro que a votação de uma moção de confiança serve para propor um leilão em que o escrutinado regateia as condições em que o parlamento o escrutina? Se o PS aceitasse fazer esta absurda negociação abriria um precedente insustentável para os governos seguintes.

O governo tinha uma tática para conseguir uma de duas vitórias: matar a CPI, transformando-a numa “rapidinha”, ou construir uma narrativa de vitimização que permitisse mudar a perceção dos portugueses, que, segundo das sondagens, o responsabilizam pela crise. Quando percebeu que o PS não estava disponível para o leilão, resolveu esticar a corda, para carregar as tintas da vitimização. Também na tática, a dose conta. E tivemos uma overdose.

Mesmo antes deste circo, já teríamos assistido a um momento político surreal: perante um caso grave, o primeiro-ministro provocou uma crise política depois de duas moções de censura chumbadas, exigindo que a oposição decretasse o fim das suspeitas, através de uma moção confiança desnecessária e que sabia inviável desde o dia em que tomou posse.

Se alguém tivesse dúvidas que o objetivo da moção era ser chumbada, bastaria ler o comunicado que serviu para a apresentar, em que o PS é acusado de alimentar “um clima artificial de desgaste e de suspeição ininterrupta sobre o Governo” e em que se diz que que o clima de suspeição é “desprovido de bases factuais e sem a mínima correlação com a realidade”. Ou seja, o PS deveria viabilizar uma moção de inocência do primeiro-ministro e de culpa de si mesmo.

Luís Montenegro tinha todas as condições materiais para governar: programa de governo e orçamento aprovados, um Presidente colaborante, uma oposição interna calada e com pouco do que decidia a passar pelo parlamento. E tinha a posição do PS definida desde o primeiro dia: viabilizou programa do governo e o orçamento, inviabilizou duas moções de censura e apelou a que não apresentasse moções de confiança, que não teriam o voto socialista. Porque não fazer cair um governo não é o mesmo que o apoiar.

Quando isto foi explicado, no debate sobre o programa de governo, já lá vai um ano, Luís Montenegro achou suficiente, não apresentando um voto de confiança, como poderia ter feito. Tão suficiente, que até insinuou que a abstenção socialista no voto de rejeição do PCP ao programa era uma forma de apoio. Mudou de opinião. Porque percebeu que o tempo jogava contra o primeiro-ministro. Quanto mais rápido se votar, quando ainda se sentem os efeitos da distribuição de dinheiro e muitos eleitores ainda não perceberam bem o que é este caso, melhor.

O único responsável por esta crise é Luís Montenegro. É responsável pelas suas falhas éticas, que a fizeram nascer. É responsável por forçar uma moção de confiança que sabia chumbada, para poder ir o mais depressa possível a votos, na derradeira esperança deles substituírem a verdade. E é responsável pelo espetáculo de taticismo infantil de ontem, tentando transformar a moção de confiança numa negociação de uma CPI.

Até ontem, não desejava eleições. Não achava que este fosse o melhor momento e o melhor ambiente para acontecerem. Mudei de opinião. Quem sequestra, desta forma, um partido, um parlamento e um País para se proteger a si mesma não pode ser primeiro-ministro. Já tivemos uma experiência traumática. Não precisamos de a repetir.»


Do blogue Entre as brumas da memório

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