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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

FERTAGUS - O "FABULOSO SUCESSO" QUE RUIU À PRIMEIRA DIFICULDADE:

Um excelente texto de opinião, por António Alves, vice presidente do Sindicato dos Maquinistas:
Na atual conjuntura, só existe uma solução: terminar com o monopólio da Fertagus no eixo Setúbal - Lisboa, dado que ela é manifestamente incapaz de cumprir com a concessão que lhe foi outorgada pelo estado, e permitir à CP, que tem a escala, o material circulante, a flexibilidade operacional e o conhecimento necessário, realizar comboios urbanos pelo menos até Coina. As populações de ambas as margens do Tejo, e o serviço público, assim o exigem.
Os comboios que a Fertagus usa foram compradas pelo Estado para a CP. Mas como o Estado queria um operador privado na Ponte sobre o Tejo, foram cedidos à privada Fertagus. Na verdade foram comprados, a preço de amigo, por um sindicato bancário que os cedeu em leasing à Fertagus.
Bom negócio até ao momento em que eles entraram na idade de fazer a obrigatória revisão da meia vida. Coisa que fica cara. Nesta fase da vida do material circulante, ou ela é feita ou compra-se material novo.
Nem o tal sindicato bancário nem a Fertagus estavam interessados em qualquer destas duas soluções. Comprar material novo, ou mesmo renovar material usado, custa muito dinheiro. Vai daí, na renegociação da concessão, arranjou-se a solução perfeita: o Estado recomprou as automotoras, assumiu a responsabilidade pela sua renovação e a Fertagus continuou a usá-las a preço de amigo. A fatura dos trabalhos, no valor de 1,2 milhões de euros, em 2016/17, foi paga pelo Estado, uma vez que as Unidades Quádruplas Eléctricas passaram a ser propriedade pública, estando alugadas ao operador privado.
A vida continuou a sorrir aos donos da Fertagus protegidos no seu monopólio privado e com direito a escolher os clientes. Sucederam-se os planos de reequilíbrio financeiro - aquilo dá sempre prejuízo mas o concessionário nunca manifesta vontade de desistir, apesar das previsões de tráfego "monumentalmente erradas" -, e prolongamentos da concessão.
A coisa começou a complicar-se com o PART - Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos. Quando a Fertagus foi inserida neste programa (2019), foi igualmente inserida no sistema de passes metropolitanos da Grande Lisboa. Isto é, deixou de poder selecionar os clientes pela via do tarifário próprio e muito mais caro do que o que existia tanto na CP como noutros modos de transporte concorrentes. A Fertagus, que era a transportadora da "classe média" da margem sul, restringindo por via económica o número de passageiros que a procuravam, podendo assim prestar "o melhor serviço ferroviário de passageiros do país", foi obrigada a aceitar largos milhares de novos clientes utilizadores de passes sociais. Os 18 comboios existentes, agora velhos e com uma revisão de meia vida reduzida ao mínimo necessário, começam a criar problemas de disponibilidade e a ser escassos para a procura, com a consequente degradação da qualidade do serviço.
Recentemente o estado voltou a prolongar a concessão da Fertagus até 2031. Simultaneamente terá exigido à operadora do Grupo Barraqueiro uma maior frequência de comboios entre Setúbal e Roma-Areeiro de modo a colmatar a manifesta insuficiência de oferta neste eixo que se vem a manifestar desde a introdução do PART.
Dada a escassez de material circulante, as 18 unidades não são elásticas e a Fertagus já funcionava com pouca margem operacional, a solução foi a sua desmultiplicação reduzindo o número de comboios duplos, isto é, duas automotoras acopladas oferecendo 8 carruagens (4+4) aos passageiros. Naturalmente, no eixo mais procurado, de Coina a Roma-Areeiro, particularmente nas Estações de Corroios e Pragal, gerou-se o caos. Onde o número e a dimensão dos comboios já era insuficiente devido a grande procura, estes passaram a não ter dimensão capaz de transportar todos os passageiros que pretendem embarcar nessas estações. O caos está há várias semanas instalado, agravado por avarias frequentes devido ao esticar da disponibilidade ao máximo, sem as folgas necessárias para uma manutenção capaz. Até "a humidade" tem sido um problema. Em resumo, o "fabuloso sucesso" da Fertagus ruiu como um castelo de cartas logo que chocou com a realidade com que a CP vive estoicamente há muitas décadas.
Posto isto, começou imediatamente a campanha, pela pena de plumitivos nada isentos, acompanhados por alguns ingénuos, para a cedência de comboios do operador público CP à Fertagus. Se tal vier a acontecer será inaceitável. Criminoso até. Gestão deliberadamente danosa. A CP já vive com estrangulamentos vários, sendo um deles a escassez de material circulante. Todos nos lembramos dos anos de supressões diárias de comboios nos urbanos de Lisboa, até 2020, altura em que começaram a ser recuperadas algumas unidades automotoras, nomeadamente as da série 3500 iguais às que a Fertagus usa e que estavam inexplicavelmente paradas. A cedência de material da CP à Fertagus será também a beneficiação de populações em detrimento de outras. Para colmatar o caos instalado na margem sul instalar-se-á o caos na margem norte do Tejo.
Na atual conjuntura, só existe uma solução: terminar com o monopólio da Fertagus no eixo Setúbal - Lisboa, dado que ela é manifestamente incapaz de cumprir com a concessão que lhe foi outorgada pelo estado, e permitir à CP, que tem a escala, o material circulante, a flexibilidade operacional e o conhecimento necessário, realizar comboios urbanos pelo menos até Coina. As populações de ambas as margens do Tejo, e o serviço público, assim o exigem.

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