É difícil encontrar as palavras.
A situação é de tal forma desumana, tão desesperante, tão triste, tão incompreensivelmente triste, que não nos deixa apenas sem palavras. Deixa-nos sem recursos para a racionalizar. Não são só os sentimentos encostados ao limite, a explodir de frustração e espanto, que já não sabem o que sentir perante esta desolação, é a razão que se espanta. Nada aqui faz sentido perante aquilo que aprendemos a sentir e a pensar. Nada disto faz sentido. Não queremos viver assim. Não podemos viver assim. Não queremos que ninguém viva assim. Não vivemos para viver assim.
Não podemos admitir que a vida seja apenas sofrimento sem esperança, não podemos admitir que o quotidiano seja esperar que venham matar os nossos filhos.
É o mal absoluto.
Trata-se de uma operação de décadas para aniquilar um povo, nas pequenas e nas grandes coisas. Para o matar, para o mutilar, para matar as suas crianças pelas bombas, pela fome, pelas doenças, pela chuva, por todas as grandes e pequenas coisas que podem matar o corpo e o espírito. Pela indignidade, pela desumanidade.
Há décadas que lhes dizem, com palavras e gestos, que são animais, que não merecem viver, que os seus filhos devem sofrer.
Não são danos colaterais, civis que a pouca sorte colocou no meio de uma guerra que não lhes diz respeito, que sofrem uma agressão que não lhes era dirigida. São eles os alvos, há décadas que são eles os alvos, são eles, estas pessoas banais, a tentar proteger os seus filhos da fome, da chuva e do frio. Coisas que a maior parte de nós não sabe o que são.
Israel tornou-se o símbolo da desumanidade.
Este país que devia saber a coisa ignóbil que é não reconhecer a humanidade do outro, não reconhecer o direito à vida de uma criança por ter um determinado nome, por ter nascido num determinado sítio.
Israel ensina-nos hoje, como nos ensinaram os judeus quando foram eles as vítimas, o abismo indescritível a que a humanidade pode descer.
Quando o sionismo foi inventado muitos judeus da diáspora advertiram para o perigo de Israel se tornar um país como os outros. A conquista da terra podia, paradoxalmente, tornar-se a perda da identidade do povo do livro.
A maldição da terra foi mais cruel: Israel tornou-se o farol do anti-semitismo, o país que conseguiu fazer do ódio (sentimento de que foi alvo durante séculos) a sua única bandeira. Alimentando o ódio com ódio.
Que tantos judeus pelo mundo ainda não o consigam ver só se soma à tragédia.
Que tantos judeus no mundo ainda admitam que Netanyahu fale em nome “dos judeus” e do “judaísmo”, associando às suas práticas criminosas todos os judeus da diáspora é um requinte de sadismo suplementar. E que haja tão poucos a gritar “Not in my name” com medo de serem rotulados como anti-semitas e “self-hating Jews” só torna tudo ainda mas triste e desesperante.
A honra de Israel - como em tantos outros países - está hoje nas suas prisões. Naqueles que continuam a manifestar-se nas suas ruas, a ser presos e espancados por defender o fim do genocidio e por declarar a humanidade e os direitos dos palestinianos.
(No sitio de José Vítor Malheiros)

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