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domingo, 15 de setembro de 2024

Entre o aberrante e a vulgaridade:

A relação entre os comentadores públicos europeus e as eleições americanas lembram-me os comentários que numa noite de insónia num hotel em Londres ouvi a propósito de um jogo de cricket. Desconhecia e desconheço as regras do cricket. O meu interesse residia em descobrir o que levava os ingleses a interessarem-se pelo jogo.

Conheço um pouco melhor algumas faixas da sociedade norte-americana do que as motivações dos adeptos do cricket, o que me permite equacionar o que esses grupos e outros idênticos (emigrantes de segunda e terceira geração, latinos e classes médias de origem anglo-saxónica) quer da costa Leste, quer da Oeste pensam das eleições para a presidência que coloca frente a frente uma figura aberrante e uma vulgaridade.

A primeira convicção que tenho é a de eles, uma percentagem significativa dos americanos, não considerarem Trump aberrante, um ser exótico como para mim é um jogador de cricket, o que conduz à conclusão de que eles também não vêm Kamala Harris como alguém que saia da mesma vulgaridade onde situam Trump.

O que está em jogo no jogo de cricket, ou de baseball, nos Estados Unidos para os eleitores americanos não tem relação com o que está em jogo para os cidadãos dos vários estados estados europeus. O vencedor do jogo nos Estados Unidos agirá de acordo com os interesses dos que lhe pagaram a campanha e não dos interesses dos que votaram nele – o presidente de um clube profissional responde perante os acionistas e não perante os adeptos.
Os acionistas perante quem Trump e Kamala Harris respondem fazem parte da oligarquia que governa os Estados Unidos e os eleitores americanos sabem disso. Eles votam para receberem a maior fatia possível do que sobra dos lucros dos oligarcas. Uns apostam na especulação financeira, outros no mercado interno, uns nos títulos e juros, outros no emprego pago à hora.
O resto do mundo comporta-se perante os Estados Unidos como eu perante uma transmissão de cricket. Apenas sei que os ingleses vão continuar a comportar-se de modo a que a sua elite possa ter acesso aos campos impecavelmente tratados e que tudo farão para que assim continue a ser. O resto, como dizia um amigo meu, é conduta.
As guerras em curso seguirão o seu curso de acordo com as cotações de Wall Street, que essa sim, é a verdadeira aberração do sistema em que vivemos, pois produz dinheiro a partir do nada. Nós somos as bolas.
Carlos Matos Gomes

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