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sexta-feira, 23 de agosto de 2024

PORTUGAL PASSOU A ESTAR NO BOM CAMINHO?

Pergunta Miguel Sousa Tavares, a olhar para os cartazes do PPD-PSD (no 'Expresso' de 22 de Agosto de 2024)
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Chegámos ao feriado de 15 de Agosto, voltou o vento desagradável, e a política acordou das suas breves tréguas com a triste festa do Pontal, no triste calçadão da Quarteira. Nas fotografias, Luís Montenegro está de braços ao alto em pose de herói olímpico, empolgado e imaginando-se empolgante perante uma plateia de 500 laranjinhas agradecendo o poder ou aspirando às migalhas do poder. Com mais de metade das maternidades do país fechadas porque os médicos foram de férias, anunciou duas novas Faculdades de Medicina para daqui a 10 anos e, com o dinheiro dos contribuintes, prometeu 422 milhões para os reformados em Outubro e um passe da CP para quem quiser castigar-se a conhecer o país nos comboios inter-regionais. E louvou-se de estar a resolver os problemas, tendo pago as promoções retroactivas aos professores e o subsídio de risco aos polícias e à GNR. É o futuro a ser construído, jurou, que só os comentadores não vêem.
Subi então a Lisboa, onde já não ia há mais de um mês, para uma semana de férias das férias (ou de trabalho, o que vem a dar na mesma). A cidade estava invadida de cartazes do PSD, para prolongar o efeito pretendido do Pontal, garantindo que “Portugal está no bom caminho”, graças a “um Governo para as pessoas”. À força de esbarrar com os cartazes em cada esquina comecei a pensar nas suas mensagens, uma coisa sempre perigosa. Um Governo para as pessoas? O que quererá isso dizer? Não é suposto todos os Governos serem para as pessoas? Então haveriam de ser para quem ou para quê? E Portugal está no bom caminho? E qual é esse bom caminho? Pagar os retroactivos aos professores, como se fossem os únicos que sofreram durante a intervenção da troika? Equivaler os PSP e GNR aos PJ? Satisfazer com o dinheiro dos contribuintes todas as reivindicações das corporações públicas e chamar a isso problemas resolvidos? Formar médicos e enfermeiros no ensino público para depois os deixar ir de borla para o sector privado? Continuar a ter o Estado indefeso perante chantagens recorrentes de corporações que prestam serviços públicos essenciais, como os camionistas, os estivadores, os bombeiros, os maquinistas da CP? Aumentar cegamente a aposta no turismo de massas e na agricultura intensiva sem querer saber da escassez de água e da falta de mão de obra para sustentar esse modelo de crescimento? Onde, como e desde quando é que Portugal passou a estar no bom caminho? Só porque o PSD passou a estar no poder?
Maldito cepticismo o meu, defeito de comentador: pode ser que Portugal não esteja — ainda, claro! — no bom caminho, apesar da pose triunfante de Montenegro e da garantia dos cartazes do PSD. Mas Lisboa estava exuberante, apesar de um calor de ananases. É verdade que quase não vi lisboetas nem portugueses, quase só estrangeiros, até a Volta a Espanha em Bicicleta a arrancar da Torre de Belém. Tive de explicar a uns camones, “in english, please”, como é que se pagava o parque de estacionamento do Corte Inglés e a outros que bloqueavam a entrada do parque dos Restauradores como é que se punha em andamento um carro eléctrico. Mas senti-me prestável, senti que também eu estava no bom caminho, a ajudar ao PIB. Porém, a cidade era uma delícia, sem trânsito, sem pressas, sem buzinas, só não era um paraíso rodoviário porque não há uma via rápida, uma avenida, uma rua, nem mesmo o Beco da Triste e Feia, em Alcântara, onde não haja um radar emboscado a contribuir não para a segurança rodoviária mas para o assalto fiscal aos condutores. Porém, quase conseguia fazer toda a zona ribeirinha, por pouco até conseguia ter passado no Terreiro do Paço e na Ribeira das Naus, disputando o exclusivo dos tuk-tuks e das trotinetes, como se fosse terra portuguesa, mas adiante vi com desgosto que os exuberantes canteiros centrais da 24 de Julho morreram por falta de rega. Em contrapartida, descobri uma nova zona da cidade que desconhecia e que está a nascer/renascer das cinzas — Marvila, uma espécie de Greenwich Village, auto-imaginada, fora de mão e do planeado, nas traseiras do horrendo e milionário quarteirão imobiliário assinado por Renzo Piano na frente do Tejo. Mas, de futuro, já sei onde é que um algarvio de arribação há-de passar o insuportável mês de Agosto, em que os lisboetas de estimação descem até ao Algarve: em Lisboa, pois claro.
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Porém, é preciso voltar ao mundo. Apesar de noites de luar insinuando uma paz ao alcance da mão, lá longe o mundo continua a gritar pela guerra, desde a agora esquecida guerra na Ucrânia até à da Palestina, abandonada pela boa consciência ocidental ao desvario genocida de um criminoso chamado Benjamin Netanyahu. 600 mil crianças palestinianas terão de ser vacinadas urgentemente nas próximas semanas, sob pena de a paralisia infantil causada pelo massacre israelita se disseminar como fogo sobre toda uma geração de crianças em Gaza, a juntar às 18 mil que os bravos soldados de Israel já liquidaram. Acordo? Netanyahu acrescenta sempre novas exigências à última da hora, porque prefere continuar a matar palestinianos do que trazer reféns israelitas de volta a casa, e o mundo dito civilizado concorda e consente: chamam-lhe legítima defesa. Felizmente, como dizia o Sttau, há luar e ainda é de graça e para todos ao mesmo tempo.
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Metáfora do 'lobo com pele de cordeiro' em campanha eleitoral, e Luís Montenegro na Festa do Pontal, a proclamar vitória nas "Olimpíadas do Cheque", mas só para os que conseguem meter medo ao governos, não para todos os que têm direito...
Miguel Sousa Tavares

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