(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 07/12/2022)

Aproposta de proibição das obras de Tchaikovski feita pela ministra do governo de Zelenski é — sem meias palavras — uma proposta que recupera o essencial da ideologia nazi.
O nazismo não é uma ideologia que tenha surgido na Alemanha no início do século XX a partir de um vazio histórico e para responder a uma situação politica e social concreta: o perigo do comunismo, que assustava as classe altas, a inflação e o desemprego resultantes das compensações impostas à Alemanha na sequência da derrota na Grande Guerra.
O nazismo tem profundas raízes na história dos povos de origem germânica e eslava. Julgo difícil abordar o nazismo sem conhecer o conceito de Bildung, considerando os diferentes usos e interpretações ao longo do tempo desde as origens na baixa Idade Média até hoje. O desenvolvimento do ideal de Bildung no Leste da Europa (e na Alemanha em particular) é marcado pela tensão entre sua função de integração social e política utilizando a ideia de superioridade de uma cultura (a sua) e a de esta servir simultaneamente de instrumento de distinção social e política relativamente aos outros, os inferiores.
Sem grandes desenvolvimentos teóricos, o conceito de Bildung está na raiz do nacionalismo alemão e eslavo que faz com que o nazismo tenha tido tão bom acolhimento entre os eslavos, nomeadamente os ucranianos.
O que a ministra da cultura do regime de Kiev está a transmitir com a proposta de silenciar Tchaikovski (embora com o hipócrita e conveniente acrescento de que seria apenas durante a guerra) é que os ucranianos de Zelenski (e todos os que os apoiam) não podem admitir que os russos produzam cultura e génios culturais. A seguir a Tchaikovski e seguindo a ideologia da ministra da cultura de Zelenski, seriam silenciados Prokofiev e Rachmaninov, seriam proibidos os livros de Dostoievski, Tolstoi, Tchehkov ou Gogol, seriam proibidas as visitas ao Hermitage ou as idas ao Bolshoi.
Esta é a raiz do pensamento da ministra da cultura de Zelenski. A crença na superioridade como razão para combater o outro está no centro no conceito de Bildung desde a Idade Média com a ideia da imagem de Deus (Imago Dei) que penetra na alma de certos homens e povos, foi secularizada no século XVIII através da discussão sobre o papel da cultura na unidade de um grupo. Para Herder, o grande teórico secular do Bildung, a humanidade não é um estado no qual entramos ao nascer, mas uma tarefa a ser realizada por meio da disciplina e do esforço consciente de cada um daí a importância da ideologia e da cultura associada.
Uma lembrança: Logo após o residente alemão von Hindenburg ter nomeado Hitler como chanceler, a 30 de janeiro de 1933, o aparelho nazi desenvolveu um plano para impor os seus preceitos e valores. «As revoluções nunca se limitaram à esfera puramente política», defenderia Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda, «Estendem-se a todas as áreas da existência social humana. A economia e a cultura, a academia e as artes, não estão ao abrigo do seu impacto».
Ainda 1933 foi levada a cabo uma purga dos artistas judeus e de esquerda, aliás, de quase todos os artistas alemães com fama internacional. Hitler e Goebbels tinham as suas próprias conceções acerca da vida cultural e não iam permitir que um grupo de «charlatães» e «incompetentes» comprometessem os seus objetivos.
Na democrática opinião da ministra da cultura do regime de Zelenski, Tchaikovski cai nesta categoria. É um mau exemplo para a sociedade que defende e que os europeus estão a pagar com língua de palmo: qualquer coisa como 300 mil milhões de euros, mais coisa menos coisa para silenciar o compositor de O Quebra-Nozes e, já agora, a Marcha Eslava.
A notícia é do The Guardian — Ver aqui
Do blogue Estátua de Sal
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