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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O Marega? É o Futebol, Estúpido!


O que acontece com os insultos ao Marega e a outros atletas é o que acontecia nas batalhas antigas em que os guerreiros se insultavam com as piores ofensas para se sentirem fortes e desmoralizarem o inimigo. São manifestações de animalidade contra um concorrente.

E o futebol é o Circo romano! Ou o auto de fé!

Os abutres que vivem do futebol lançaram uma campanha, de sucesso, diga-se, e grande alarido a culpar o racismo pelos insultos sofridos por um jogador do Futebol Clube do Porto. Um escândalo! Uma vergonha!

Ninguém se lembrou, que eu tenha visto ou lido, de reparar que há centenas de atletas portugueses das mais variadas proveniências e com as mais variadas tonalidades de pele que nunca foram insultados por motivos racistas, lembro ao correr da pena o Nelson Évora, a Mamona, o Obikwelu, no atletismo, Jorge Fonseca no Judo, a Fu Yu no pinguepongue, há jogadores e jogadoras de todas as cores no basquetebol, no voleibol, no râguebi, na ginástica sem problemas de racismo. Orgulhamo-nos deles e eu respeito-os, tal como ao Marega.

Onde o centro do problema dos cobardes insultos se coloca não é no racismo – embora o racismo seja um fator presente nas sociedades, em todas – é no mundo do futebol. É no facto do futebol ter sido erigido, eleito pelos manipuladores do poder, como o escape das frustrações dos povos, como o ponto de reunião da sociedade do vale tudo, do sucesso sem regras, da lei da selva, que o futebol tenha sido na Europa o substituto do Circo romano e dos autos de fé como espetáculo de alienação dos grupos sociais que se sentem à margem do sucesso, do enriquecimento rápido, da subida ao olimpo dos “famosos”. O futebol é o meio pantanoso onde os dirigentes e os atores obtêm reconhecimento social apesar das graves suspeitas que sobre eles impendem. O problema do Marega é do futebol e da sociedade que se alimenta e bem dele.

O que acontece com os insultos ao Marega e a outros atletas é o que acontecia nas batalhas antigas em que os guerreiros se insultavam com as piores ofensas para se sentirem fortes e desmoralizarem o inimigo. São manifestações de animalidade contra um concorrente.

Os insultos racistas são uma imagem da nossa barbárie e do triste e perigoso reconhecimento que essa barbárie organizada para alienar, para lavar dinheiro, para promover negócios obtém junto de instituições que deviam ser referências morais e éticas.

Quando um Presidente da República ou de Câmara recebe o “mundo do futebol” está a avalizar estas práticas.

Do mundo do futebol e dos seus donos e pregadores (aquilo tem dono e tem homens de mão) se dirá, como Nietszche disse de certas espécies perigosas que não se deve estender a mão, mas as garras. É gente que não se pode convidar para casa.

Mas a questão da unanimidade acrítica, do rasgar de véus e de afirmações “Eu sou Marega” ainda levanta mais questões. É que entre muitos dos que ”são Marega” – e eu sou antirracista desde que estudei com tantos colegas africanos no Colégio Nun’Alvares de Tomar – estão muitos que não se coíbem de insultar o primeiro-ministro como o “Chamuça”! E estão muitos dos que se benzem e cospem nos que defendem uma morte digna através da eutanásia e estão muitos que defendem as touradas, como escape tradicional de violência. Um escape do mesmo tipo dos insultos racistas, embora me possam dizer que as ofensas a um toiro não têm a mesma gravidade das feitas a um ser humano, o que é certo, mas a raiz da violência e da ausência de respeito é do mesmo tipo: o outro tem de ser humilhado, seja com farpas, seja com palavras.

Mas, mais grave, é que é deste mundo corrupto e que apela aos mais primários instintos, ao pior que os seres humanos têm, que saem políticos com ambições a governarem a República, comentadores que falam de moral! Ora, o mundo desta gente da bola não é compatível com o mundo de valores éticos e morais.

Há quem acredite que a salvação lhe poderá vir das fossas e dos esgotos! Eu não!

O Marega, um africano que procurou uma vida melhor utilizando um talento nos circos dos europeus, foi atirado às feras para gáudio dos empresários do futebol, não por ser negro, mas por ser o que marcou um golo no mundo do futebol!

O futebol, tal como está, não é frequentável, nem regenerável!





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