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quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A coragem republicana que a imprensa portuguesa nem sequer cita:


Primeiro pensei que Carlos Alexandre queria ouvir António Costa na instrução do processo de Tancos, destituindo-o da proteção do cargo de Primeiro-Ministro, como que colocando-o neste processo como um cidadão comum e não como alguém que teve ou não teve acesso a algum conhecimento relevante sobre ocaso no exercício de funções públicas e colocando-o perante um juiz de instrução que tem do seu exercício da função uma concepção que está longe de ser institucionalista.
Pensei que Carlos Alexandre queria que essa audição fosse feita em condições que permitissem - nunca se saberia por culpa de quem, porque isso nunca é apurado - uma fuga de informação, uma divulgação seletiva de perguntas e respostas que lhe preenchessem o ego, o fizessem sentir o homem do dia. Dados os seus antecedentes, quiçá o momento em que chamaria à testemunha Senhor António ou pelo menos apareceria no Correio da Manhã um interrogatório à testemunha que lhe permitisse fazer o que a acusação entendeu não fazer.
Nesse quadro, a negativa que recebeu do Conselho de Estado acautelou a dignidade quer da instrução do processo, quer do recato em que o juiz deve intervir, quer ainda a dignidade da função de Primeiro-Ministro. Foi uma rotunda recusa da justiça-espetáculo e da perversa coligação entre magistraturas populistas e jornalistas sensacionalistas que corrói as instituições democráticas e a própria justiça.
Lendo o artigo do Público sobre a insistência de Carlos Alexandre mudei de opinião. Ele nunca quis ouvir a testemunha António Costa. Quer apenas produzir o ruído que lhe permita aparecer nas notícias como o justiceiro a quem os poderosos negaram os meios de ação. Se o seu primeiro pedido era desafiante, o segundo é meramente político-mediático e visa, no limite, negar a Azeredo Lopes a possibilidade de beneficiar da testemunha que indicou, fazendo do juíz no mais típico género populista a vítima dos poderosos. No fundo, este segundo pedido do juíz é um ataque às condições de defesa de um arguido e um gesto cem por cento político destinado ao espaço público.
As magistraturas auto regulam-se. Se permitem, toleram ou encorajam este tipo de atuação é algo que não é irrelevante.
Mas a opinião pública que não denuncie este tipo de atitude é cúmplice da hipocrisia - e talvez receio - com que no espaço público se fala de justiça e política. Bem sei que o próprio António Costa adora repetir a frase “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política” em contextos em que pretende proteger-se pessoalmente de um juízo crítico sobre a justiça que também lhe compete como Primeiro-Ministro, líder partidário e deputado eleito. Mas desta vez é ele a vítima da tentativa de fazer política em nome da justiça. Este gesto de Carlos Alexandre não é um desafio ao Conselho de Estado, é uma provocação à separação de poderes e, se resultar na inviabilização do testemunho de António Costa nas condições que a lei permite, um ataque ao direito de defesa de um arguido.
Depois disto só continuará a pensar ingenuamente a relação entre certos agentes da justiça e a política quem quiser. E nunca esqueçam que para o mundo piorar basta os bons ficarem silenciosos.


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Nota

A única referência que encontrei a este texto em qualquer órgão de comunicação social (ignoro se foi referido em programas radiofónicos e televisivos), se bem interpreto, está num editorial raivoso do Dâmaso do dia 16, onde se lê:

«Para eleitores que toda uma vida votaram à esquerda mas se recusam a ser tratados como carneiros, chega a ser insultuosa a forma como esse PS agregado em Sócrates, mas também em Ferro Rodrigues, como Paulo Pedroso e outros, tentam fazer tiro ao boneco contra o juiz Carlos Alexandre.» <- nbsp="" o:p="">
 Fonte

Este general da Cofina repete a cassete de ser Carlos Alexandre o herói da luta contra o mal socrático, a ameaça socialista. E consegue a proeza de juntar Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso nos seus alvos a abater. Vindo de quem ganha muito dinheiro à custa de crimes e indecências, alguém que usa a carteira de jornalista para fazer baixa política e conspurcar o espaço público ao serviço de uma agenda política decadente, também aqui se aplica o repto com que o texto acima termina.

Do blogue Aspirina B

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