Em 22 de Janeiro de 1961, algures
no mar das Caraíbas, doze portugueses e onze espanhóis, comandados por Henrique
Galvão, assaltaram um navio em que viajavam cerca de 1.000 pessoas, entre
passageiros e tripulantes, e protagonizaram aquela que foi, muito
provavelmente, a mais espectacular das acções contra a ditadura de Salazar.
Mesmo sem atingirem os objectivos
definidos – chegar a Luanda, dominar Angola e aí instalar um governo provisório
que acabasse por derrubar as ditaduras na península ibérica – conseguiram
chamar a atenção do mundo inteiro que noticiou, com estrondo, a primeira
captura de um navio por razões políticas, no século XX. (Em Portugal, julgo que
as primeiras notícias só foram publicadas no dia 24!)
Os aliados da NATO não reagiram
como Salazar pretendia ao acto de «pirataria» e só cinco dias mais tarde é que
a esquadra naval americana localizou o navio. Depois de várias peripécias e
negociações, o Santa Maria chegou ao Recife em 2 de Fevereiro e os
revolucionários receberam asilo político.
Volto à questão da repercussão
internacional, que foi muito grande, porque a vivi pessoalmente. Estudava então
em Lovaina, na Bélgica, e acordaram-me às primeiras horas da manhã para me
dizerem que um navio português tinha sido assaltado por piratas, em pleno alto
mar. Entre a perplexidade generalizada e o gozo («ces portugais!…»), os poucos
portugueses que então lá estudávamos passámos horas colados a roufenhos
aparelhos de rádio, sem conseguirmos perceber, durante parte do dia, o que
estava concretamente em jogo, já que não eram identificados os piratas nem
explicados os motivos da aparatosa aventura. Quando, já bem tarde, foi referido
o nome de Henrique Galvão, e descrito o carácter político dos factos,
respirámos fundo e pudemos finalmente dar explicações aos nossos colegas das
mais variadas nacionalidades. Houve festa e brindou-se à queda da ditadura em
Portugal – para nós iminente a partir daquele momento, sem qualquer espaço para
dúvidas...
A ditadura não caiu mas levou um
abanão. O assalto ao Santa Maria foi o pontapé de saída de um annus horribilis
para Salazar, ano que iria terminar com a anexação de Goa, Damão e Diu. (Pelo
meio, em Fevereiro, começou a guerra colonial...)
Vivemos hoje numa outra galáxia,
tudo isto parece quixotesco e irreal? Mas não foi.: Henrique Galvão, Camilo
Mortágua e companheiros foram «os nossos heróis» daquele início da década de
60.

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