O investigador, que presidiu à Fundação Francisco Manuel dos Santos
entre 2014 e 2016, avisa que juízes como Carlos Alexandre acabaram a fundar
partidos em diversos países. Garoupa diz que os partidos receiam propor a
reforma do Ministério Público por causa deste caso mediático.
Autor de uma proposta de alteração do “Governo da Justiça” em Portugal, publicada em 2011, o investigador Nuno Garoupa conclui que nada mudou nesse domínio. No programa “Da Capa à Contracapa”, da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, o professor da Universidade de Illinois sugere que os partidos políticos têm medo de propor a reforma de um Ministério Público que, na opinião deste especialista, não funciona em Portugal.
“Não sei se o Ministério Público tem poder a mais ou a menos, se tem
poder formal a mais e poder verdadeiro a menos. Isso é um grande debate. Não
sei se é um problema de recursos, se é um problema de gestão, se é um problema
de regras processuais. Mas tudo isso tem que explicar com certeza porque é que,
quando comparamos o desempenho dos vários Ministérios Públicos, o nosso fica
aquém. Isso está sobejamente expresso no Conselho da Europa, em relatórios da
OCDE, em comparações internacionais”, afirma Nuno Garoupa na Renascença.
Para o antigo presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, os
partidos estão paralisados por causa da investigação ao antigo
primeiro-ministro José Sócrates, cujos prazos de acusação têm vindo a ser
sucessivamente ultrapassados.
“Qual é o efeito do Caso Sócrates neste momento? Nenhum partido faz a
reforma do Ministério Público. O primeiro partido que disser que é preciso
reformar o Ministério Público, vamos ouvir os procuradores do Ministério
Público a dizer “lá estão eles a interferir com a nossa independência”. O Caso
Sócrates já está a passar uma factura enorme ao país, porque nenhum partido se
atreve sequer a sugerir que é preciso reformar o Ministério Publico”, acusa o
jurista num tom muito crítico em relação ao estado da Justiça em Portugal.
Quando a política e a justiça se cruzam
Quando a política e a justiça se cruzam
Nuno Garoupa diz que a política já entrou na Justiça e vice-versa em
Portugal. “Já entrou e tem que entrar”, diz o investigador que no entanto pede
cautela no tipo de reformas a adoptar no sector.
“Vai ser uma péssima ideia fazer qualquer reforma do Código de Processo
Penal em função do caso Sócrates. É quase inevitável que isso vai acontecer. As
reformas deviam ser feitas ponderosamente e tendo em conta não os casos
mediáticos mas provavelmente os outros milhares de casos de que não estamos a
falar e que são o dia-a-dia da justiça”, observa o convidado do “Da Capa à
Contracapa”, onde comentou o estado da Justiça em Portugal com a advogada
Mariana França Gouveia.
A professora universitária, especialista em arbitragem jurídica, admite
que um dos problemas da reforma da justiça é precisamente o da independência
dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
“Quão sensível isto é, quão importante é este pilar da democracia.
Todos queremos uma justiça eficaz, queremos uma justiça muito bem gerida. Mas
não queremos uma justiça que obedeça ao Ministério da Justiça. Não queremos um
juiz que decida em função daquilo que um ministro lhe diga para decidir”,
assinala Mariana França Gouveia, actual administradora da Fundação Francisco
Manuel dos Santos, coordenadora científica do estudo “Justiça Económica em
Portugal”.
Carlos Alexandre e a transparência dos juízes
O investigador Nuno Garoupa não poupa ainda o papel dos juízes no
actual sistema de justiça em Portugal, denunciando “falta de transparência” na
gestão dos juízes, sintoma ainda de “falta de coragem” para colocar certas
questões.
“Será que eu não quero saber, quando José Sócrates está a depor perante
um juiz, quem é esse juiz? Temos que falar dos juízes. Os juízes não são
anónimos. Eu quero saber de onde veio o juiz, quem nomeou o juiz, porque é que
foi escolhido aquele e não outro juiz”, insiste Garoupa para quem os juízes não
são “uma massa cinzenta em que não faz diferença qual é o juiz que está num caso
concreto. Faz muita diferença neste e no outro milhão de casos pendentes”.
Garoupa vai mais longe neste pedido de transparência dirigido ao juiz
como o que lidera o Tribunal Central de Investigação Criminal.
“Os juízes que noutros países estiveram em posições idênticas ao juiz
Carlos Alexandre - e nunca falei pessoalmente com o juiz Carlos Alexandre -
acabaram por fazer vidas partidárias. E a liderar partidos quer em Itália quer
em França, a desempenhar cargos de ministro da justiça. Temos que estar prontos
para cenários em que temos que ter transparência”, avisa o convidado da edição
desta semana do programa “”Da Capa à Contracapa”.
Da Capa à Contracapa
Da Rádio Renascença
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