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terça-feira, 9 de maio de 2017

Macron avança para o segundo assalto:

Domingo, quando Emmanuel Macron chegou ao Louvre, já eleito presidente, ouviu-se o hino da União Europeia. Mas entre os milhares de parisienses que na esplanada da pirâmide festejavam, as bandeiras que mais se viam eram bleu-blanc-rouge, não as azuis estreladas que durante a campanha disputavam de igual para igual com as francesas. A clara prevalência, desta vez, das bandeiras francesas sobre as europeias, ao contrário do que tinha acontecido nas semanas anteriores, era uma intenção política. E nada contraditória por ser o Hino à Alegria, de Beethoven, na escolha para a entrada triunfal, em vez de A Marselhesa. A França e a Europa, a Europa e a França, são linhas mestras do mesmo.

O perfil "Macron, o orgulhoso a quem tudo sai bem", ontem publicado no jornal Le Monde, mostra que o sucesso dele se deve à planificação. Tudo é controlado, até as dosagens e os momentos dos símbolos. E cuidar tanto, quando até as quantidades a misturar são poucas - só dois hinos e duas bandeiras -, calcule-se a trabalheira dos próximos dias para selecionar os 577 candidatos a deputados, um por cada 577 círculos eleitorais, que darão ao novo presidente, ou não, a capacidade de governar.

E acrescente-se, à imensa tarefa, a delicadeza dela. O En Marche!, querendo-se do centro, tem de dar atenção aos seus, mas, propondo-se ser uma maioria dinâmica, tem de pôr uma pitada de direita, ali, compensada por uma lasca de esquerda, acolá. Um trabalho de laboratório. O movimento En Marche! parte do zero e não tem tempo de se ir criando, precisa de conquistar logo uma maioria. No fundo, tal e qual o patrão, que nunca se apresentara, nem para vereador da sua cidade natal de Amiens, e à primeira vez que foi a votos foi para o Eliseu. E ganhou logo.

Se calhar o passado virgem é uma vantagem. A rodagem, se permite a experiência, pode transformar-se em rotina que embota a vontade. Aquele que viera da privada (banca Rothschild), e depois passou dois anos de conselheiro do presidente Hollande e dois de ministro da Economia, decidiu, num repente, dar uma sapatada ao seu destino. Tinha 38 anos e chegara a uma conclusão sobre o mundo político: a geração seguinte mais velha, os à volta dos 50 anos, perdera o comboio. Diz-se que Macron comentou, então, que Baroin e Copé (da direita), Valls e Montebourg (da esquerda) eram "a geração príncipe Carlos". A que viu passar o poder sob os seus olhos. Ele decidiu outra coisa. Fundou um movimento, saiu de ministro, e lá foi à conquista do topo - foi no verão do ano passado. Hoje... De onde se pode concluir que, no plano íntimo, é possível casar com uma mulher muito mais velha e na carreira não aceitar a imagem de uma mãe que não o deixe chegar ao trono.

Emmanuel Macron é ambicioso, uma condição para quem quer o poder. Traça metas e cumpre-as - como nos dizem os noticiários. Num debate televisivo, o arquiteto Roland Castro, uma das figuras do Maio de 68, hoje pró-Macron, dizia: "Tudo o que ele disse tem feito." O seu adversário, o psicanalista Gerard Millier, foi obrigado a concordar, ele que agora é apoiante do esquerdista Jean-Luc Mélenchon. Quando as conclusões são assim simples, de pouco valem as classificações ideológicas, como, por exemplo, a de Mélenchon, agora: "Macron é um monarca presidencial." Que o novo presidente consiga daqui a um mês uma maioria e até lhe podem chamar Grande Chefe Touro Sentado, o que ficará é: tudo o que Macron diz, faz. Sabendo que na política os carimbos valem no máximo um mandato...

Eleito o presidente, ainda ontem o movimento En Marche! mudou o nome para La République en Marche, para se saber o que está a avançar: a República, o sistema. No mesmo dia, no Front National (FN), bastou o assessor principal de Marine Le Pen, Florian Philippot, propor a mudança do nome do partido para o pai fundador Jean-Marie Le Pen horrorizar-se: "Philippot não pode propor uma mudança de nome, ele deve lembrar-se que não é senão um hóspede nesta casa." Ele próprio, o pai Le Pen, já foi expulso da FN pela filha, mas as coisas antigas arrastam psicodramas, que as novidades como En Marche! podem fazer gala em ignorar.

A revista L"Obs (da esquerda e fascinada agora por Macron) dizia ontem: "Agora que o pior foi evitado, como preparar o melhor?" E volta-se às tais listas de deputados e à dosagem necessária. No campo de Macron insiste-se: não a qualquer "acordo de aparelho". Isto é, o novo partido estará presente nos 577 círculos eleitorais, vai a todas e sem pré-acordos eleitorais. O recém-chegado quer mesmo medir quanto vale. E insiste em ser novo: 50% dos candidatos nunca tiveram qualquer mandato. Um corte com os "profissionais da política". Lembre-se, em França os círculos são uninominais, quem se candidata não é arrastado por cabeças-de-lista. Cada candidato tem de conquistar a sua própria eleição.

Na verdade, não vai ser preciso escolher 577 candidatos, mas só 563. Há um mês, entrevistado pela France 2, o ainda candidato Macron mostrou no estúdio 14 candidatos, 7 homens e 7 mulheres, e todos desconhecidos da política. Para a dosagem certa, um dos ingredientes é a novidade.

Ferreira Fernades

No DN

Enviado a Paris

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