Domingo, quando Emmanuel Macron chegou ao Louvre, já eleito presidente,
ouviu-se o hino da União Europeia. Mas entre os milhares de parisienses que na
esplanada da pirâmide festejavam, as bandeiras que mais se viam eram
bleu-blanc-rouge, não as azuis estreladas que durante a campanha disputavam de
igual para igual com as francesas. A clara prevalência, desta vez, das
bandeiras francesas sobre as europeias, ao contrário do que tinha acontecido
nas semanas anteriores, era uma intenção política. E nada contraditória por ser
o Hino à Alegria, de Beethoven, na escolha para a entrada triunfal, em vez de A
Marselhesa. A França e a Europa, a Europa e a França, são linhas mestras do
mesmo.
O perfil "Macron, o orgulhoso a quem tudo sai bem", ontem
publicado no jornal Le Monde, mostra que o sucesso dele se deve à planificação.
Tudo é controlado, até as dosagens e os momentos dos símbolos. E cuidar tanto,
quando até as quantidades a misturar são poucas - só dois hinos e duas
bandeiras -, calcule-se a trabalheira dos próximos dias para selecionar os 577
candidatos a deputados, um por cada 577 círculos eleitorais, que darão ao novo
presidente, ou não, a capacidade de governar.
E acrescente-se, à imensa tarefa, a delicadeza dela. O En Marche!,
querendo-se do centro, tem de dar atenção aos seus, mas, propondo-se ser uma
maioria dinâmica, tem de pôr uma pitada de direita, ali, compensada por uma
lasca de esquerda, acolá. Um trabalho de laboratório. O movimento En Marche!
parte do zero e não tem tempo de se ir criando, precisa de conquistar logo uma
maioria. No fundo, tal e qual o patrão, que nunca se apresentara, nem para
vereador da sua cidade natal de Amiens, e à primeira vez que foi a votos foi
para o Eliseu. E ganhou logo.
Se calhar o passado virgem é uma vantagem. A rodagem, se permite a
experiência, pode transformar-se em rotina que embota a vontade. Aquele que
viera da privada (banca Rothschild), e depois passou dois anos de conselheiro
do presidente Hollande e dois de ministro da Economia, decidiu, num repente,
dar uma sapatada ao seu destino. Tinha 38 anos e chegara a uma conclusão sobre
o mundo político: a geração seguinte mais velha, os à volta dos 50 anos,
perdera o comboio. Diz-se que Macron comentou, então, que Baroin e Copé (da
direita), Valls e Montebourg (da esquerda) eram "a geração príncipe
Carlos". A que viu passar o poder sob os seus olhos. Ele decidiu outra
coisa. Fundou um movimento, saiu de ministro, e lá foi à conquista do topo -
foi no verão do ano passado. Hoje... De onde se pode concluir que, no plano
íntimo, é possível casar com uma mulher muito mais velha e na carreira não
aceitar a imagem de uma mãe que não o deixe chegar ao trono.
Emmanuel Macron é ambicioso, uma condição para quem quer o poder. Traça
metas e cumpre-as - como nos dizem os noticiários. Num debate televisivo, o
arquiteto Roland Castro, uma das figuras do Maio de 68, hoje pró-Macron, dizia:
"Tudo o que ele disse tem feito." O seu adversário, o psicanalista
Gerard Millier, foi obrigado a concordar, ele que agora é apoiante do esquerdista
Jean-Luc Mélenchon. Quando as conclusões são assim simples, de pouco valem as
classificações ideológicas, como, por exemplo, a de Mélenchon, agora:
"Macron é um monarca presidencial." Que o novo presidente consiga
daqui a um mês uma maioria e até lhe podem chamar Grande Chefe Touro Sentado, o
que ficará é: tudo o que Macron diz, faz. Sabendo que na política os carimbos
valem no máximo um mandato...
Eleito o presidente, ainda ontem o movimento En Marche! mudou o nome
para La République en Marche, para se saber o que está a avançar: a República,
o sistema. No mesmo dia, no Front National (FN), bastou o assessor principal de
Marine Le Pen, Florian Philippot, propor a mudança do nome do partido para o
pai fundador Jean-Marie Le Pen horrorizar-se: "Philippot não pode propor
uma mudança de nome, ele deve lembrar-se que não é senão um hóspede nesta
casa." Ele próprio, o pai Le Pen, já foi expulso da FN pela filha, mas as
coisas antigas arrastam psicodramas, que as novidades como En Marche! podem
fazer gala em ignorar.
A revista L"Obs (da esquerda e fascinada agora por Macron) dizia
ontem: "Agora que o pior foi evitado, como preparar o melhor?" E
volta-se às tais listas de deputados e à dosagem necessária. No campo de Macron
insiste-se: não a qualquer "acordo de aparelho". Isto é, o novo
partido estará presente nos 577 círculos eleitorais, vai a todas e sem
pré-acordos eleitorais. O recém-chegado quer mesmo medir quanto vale. E insiste
em ser novo: 50% dos candidatos nunca tiveram qualquer mandato. Um corte com os
"profissionais da política". Lembre-se, em França os círculos são
uninominais, quem se candidata não é arrastado por cabeças-de-lista. Cada
candidato tem de conquistar a sua própria eleição.
Na verdade, não vai ser preciso escolher 577 candidatos, mas só 563. Há
um mês, entrevistado pela France 2, o ainda candidato Macron mostrou no estúdio
14 candidatos, 7 homens e 7 mulheres, e todos desconhecidos da política. Para a
dosagem certa, um dos ingredientes é a novidade.
Ferreira Fernades
No DN
Enviado a Paris
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