Um crime, dois portugueses e a falência moral do discurso anti-imigração.
Um cientista português de excelência mundial é assassinado nos EUA.
O homicida é também português.
De repente, o espelho vira-se.
Agora somos nós o estrangeiro. Agora somos nós o nome fácil para cartazes, para generalizações, para slogans primários.
Agora pode alguém escrever, com a mesma brutalidade que conhecemos bem: “Isto não é Portugal” ou “Os portugueses têm de cumprir a Lei”.
É desconfortável? Ainda bem.
Nuno Loureiro representava o melhor de Portugal: ciência, mérito, trabalho, inteligência, humanidade.
Cláudio Valente representou o pior: violência, homicídio, destruição.
Ambos portugueses.
Tal como há portugueses brilhantes, há portugueses medíocres e homicidas.
Tal como há imigrantes exemplares e imigrantes criminosos.
Sempre foi assim. Sempre será.
O resto é ruído.
E sobre ruído Daniel Kahneman lembra-nos, em “Ruído”, que o bom julgamento exige humildade intelectual. John Maynard Keynes dizia: “Quando os factos mudam, eu mudo de ideias.” Só os ignorantes não mudam. Só os fanáticos persistem.
Bobby Duffy, em “Os Perigos da Percepção”, recupera o alerta de Francis Bacon, feito há mais de 400 anos: “Assim que o entendimento adopta uma opinião, vai buscar tudo o resto para a sustentar (…) e rejeita o que a contradiz.”
É exactamente aqui que estamos e é exactamente aqui que devemos parar.
Kahneman volta a ser claro: um decisor saudável deve manter “a sombra de uma dúvida” e não comportar-se como “O Homem que Sabia Demais” (Alfred Hitchcock).
Trump não tem dúvidas.
André Ventura também não e é isso que os torna perigosos.
Fecham fronteiras, atacam a nacionalidade, erguem inimigos imaginários - sempre com certezas absolutas e dados irrelevantes.
Giuliano da Empoli chamou-lhes pelo nome em “Os Engenheiros do Caos”: “Nesse processo, a coerência e a veracidade contam menos do que a magnitude da ressonância.”
“Trump e Ventura não são políticos - são engenheiros do caos: só funcionam porque muitos lhes dão palco, aplauso e silêncio cúmplice.
Este caso obriga-nos a um exercício sério de alteridade.
Hoje, o estrangeiro somos nós. Amanhã, seremos sempre todos.
Quem não percebe isto não está a defender Portugal - está a empobrecê-lo moralmente.
@highlight

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