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quarta-feira, 10 de maio de 2017

Baptista-Bastos, BB, jornalista:

Trabalhei com ele no efémero semanário O Ponto, o meu primeiro jornal, e pouco depois no Diário Popular, juntos no gabinete de "grandes repórteres" - ele, o César da Silva e eu. Para todos do jornal e para a cidade, havia ele, Baptista-Bastos, e os outros. Os outros do tal gabinete também consideravam isso e, suspeito, até o próprio. Porque, não havia volta a dar, ele era o Baptista-Bastos. O. Nesses tempos outros jornalistas ousavam apresentar-se "eu sou o Fulano de Tal", um artigo definido que todos sabíamos estar tomado pelo BB. Ele e eu demo-nos só bem num curto momento inicial e nunca mais. Porque sim, razões dele e minhas. Durante e depois de nos darmos bem, sempre tive vontade de o ler. Nas tardes de quarta-feira, n"O Ponto, ele chegava ao primeiro andar de um casarão da Rua da Rosa com as resmas de papel amarelado rasgadas por grossas letras à mão - a entrevista da semana. Sentava-se com os cantos da boca caídos e passava à máquina as suas e as palavras dos outros, teclando com força, certo da nossa expectativa. O português era sempre soberbo e as frases sonoras. Nas perguntas e nas respostas, o que alimentava a lenda de que o Bastos inventava. Num antigo livro de entrevistas, As Palavras dos Outros, o futebolista Matateu respondia-lhe com esta ingenuidade: "Escreva o que quiser (...), mas não ponha lá que eu disse mal. Matateu não diz mal de ninguém." Hmm..., também sorri eu, quando li o livrinho tão bom. Um dia, fui ao aeroporto da Portela, Matateu chegava do Canadá para onde tinha emigrado há muito. Era segredo (ou esquecimento), fui o único à espera. O grande Matateu vinha com uma senhora loura, a sua mulher canadiana, e varreu com um sorriso as minhas perguntas. E, como eu insistia, disse-me: "Olhe, ponha o que quiser, logo que não seja a dizer mal." As lendas, e agora não falo do grande rematador do Belenenses, carregam consigo eternas dúvidas. Será que Matateu leu a sua entrevista ao BB e interiorizou a magnífica resposta? Mais tarde, na televisão, Herman José recriou BB e pô-lo a recordar personagens das velhas redações de jornais. "Estou a vê-lo a entrar com o seu castor debaixo do braço"... As novas gerações irão recordá-lo por esse tão conseguido pastiche. E tão injusto, porque Baptista-Bastos era as palavras dele, que tão bem soavam nos jornais de papel.

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