Em junho de 2009, na ressaca de uma derrota retumbante nas eleições
europeias e a caminho das legislativas, José Sócrates deu uma entrevista à SIC
em que se manifestou "muito contente" consigo próprio. Quando são
chamados a fazer balanços, os primeiros-ministros perdem todos, uns mais do que
outros, é certo, o sentido do ridículo. E Pedro Passos Coelho também não é
imune ao vírus da soberba e da falta de vergonha.
Finda a cimeira do euro que adiou (?) a tragédia grega, o
primeiro-ministro gabou-se de ter sido ele a desbloquear o acordo com Tsipras.
"Por acaso foi uma ideia minha", declarou, muito contente consigo
próprio, referindo-se ao fundo de privatizações. Mas menos de uma semana depois
ficámos a saber, pela voz do presidente do Conselho Europeu, que o agreekment
terá sido afinal alcançado por causa de um sms do primeiro-ministro holandês.
Está por esclarecer qual a versão verdadeira desta narrativa. Mas de duas, uma:
ou Passos Coelho mentiu, o que não é notícia, ou de nada lhe serve a
subserviência e proteção à bem-intencionada Alemanha - Schäuble nunca desejou o
grexit, quis apenas "discutir todas as possibilidades" -, já que lá
fora ninguém lhe passa cartão.
A semana prosseguiu com a entrevista à SIC, em que Passos Coelho expôs
aquela que será a sua estratégia para as próximas eleições legislativas. Que o
memorando que herdou da governação de José Sócrates estava mal desenhado, que
"as contas estavam mal feitas e não fui eu que as fiz", enfatizou.
Esqueceu-se, por acaso deve ter sido ideia sua, das palavras do Dr. Catroga em
maio de 2011, quando afirmava que "o PSD deu um grande contributo"
para que o programa da troika fosse aquele que veio a ser assinado. E portanto,
se por acaso "as contas estavam mal feitas", foi certamente por ideia
do atual primeiro-ministro.
A mentira política como programa e narrativa é o modo de vida escolhido
por Pedro Passos Coelho. É o mesmo que na entrevista televisiva apelou à
"prudência", para não dizer hoje uma coisa e "a seguir ter de
fazer o contrário"; que em 2011, mal se apanhou em São Bento, impôs, por
acaso foi uma ideia sua, um desvio colossal às promessas feitas em campanha
eleitoral com o único objetivo de ir além da troika. O primeiro-ministro, roubo
a expressão ao Nicolau Santos, tortura os números do desemprego e da criação de
emprego, falsifica a verdade sobre a evolução do défice, é intelectualmente
desonesto no que à redução da precariedade laboral diz respeito. Basta sair à
rua para responder a anúncios de emprego para verificar que a esmagadora
maioria das ofertas de trabalho são a tempo parcial. Mas enfim, por acaso tudo
isto resulta seguramente de ideias do primeiro-ministro. Também deve ter sido
ele que, por mero acaso, se lembrou de mandar Jorge Jesus para o Sporting, de
sugerir a contratação de Iker Casillas pelo FC Porto, ou quiçá de que haja
chuva em novembro e Natal em dezembro.
A verdade verdadinha é que, por acaso, foi ideia nossa fazer de Pedro
Passos Coelho primeiro-ministro. O povo, nas próximas eleições, até pode vir a
revelar-se relapso e insistir nesta ideia brilhante. Mas, nessa altura, já não
será preciso fazer como com as melancias.
Nota: Não conheço Laura Ferreira, a mulher do primeiro-ministro, de
parte alguma. Aprecio-lhe a coragem, igual à de tantas mulheres, de não
esconder e enfrentar o cancro de que desgraçadamente padece. Já tudo se disse -
e a Ana Sá Lopes no i melhor do que todos - sobre a polémica infame do momento
em que foi fotografada ao lado de Passos Coelho em Cabo Verde. Resta-me recusar
vigorosamente a tese de tentativa de aproveitamento eleitoral da doença da
mulher por parte do chefe do governo. É que, se por aberração isto lhe passasse
pela cabeça, seria tão canalha como aqueles que agora usam a imagem de Laura
Ferreira sem cabelo para o atacar.
NUNO SARAIVA
Hoje no DN
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