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domingo, 19 de julho de 2015

Por acaso foi ideia nossa fazê-lo primeiro-ministro:

Em junho de 2009, na ressaca de uma derrota retumbante nas eleições europeias e a caminho das legislativas, José Sócrates deu uma entrevista à SIC em que se manifestou "muito contente" consigo próprio. Quando são chamados a fazer balanços, os primeiros-ministros perdem todos, uns mais do que outros, é certo, o sentido do ridículo. E Pedro Passos Coelho também não é imune ao vírus da soberba e da falta de vergonha.
Finda a cimeira do euro que adiou (?) a tragédia grega, o primeiro-ministro gabou-se de ter sido ele a desbloquear o acordo com Tsipras. "Por acaso foi uma ideia minha", declarou, muito contente consigo próprio, referindo-se ao fundo de privatizações. Mas menos de uma semana depois ficámos a saber, pela voz do presidente do Conselho Europeu, que o agreekment terá sido afinal alcançado por causa de um sms do primeiro-ministro holandês. Está por esclarecer qual a versão verdadeira desta narrativa. Mas de duas, uma: ou Passos Coelho mentiu, o que não é notícia, ou de nada lhe serve a subserviência e proteção à bem-intencionada Alemanha - Schäuble nunca desejou o grexit, quis apenas "discutir todas as possibilidades" -, já que lá fora ninguém lhe passa cartão.
A semana prosseguiu com a entrevista à SIC, em que Passos Coelho expôs aquela que será a sua estratégia para as próximas eleições legislativas. Que o memorando que herdou da governação de José Sócrates estava mal desenhado, que "as contas estavam mal feitas e não fui eu que as fiz", enfatizou. Esqueceu-se, por acaso deve ter sido ideia sua, das palavras do Dr. Catroga em maio de 2011, quando afirmava que "o PSD deu um grande contributo" para que o programa da troika fosse aquele que veio a ser assinado. E portanto, se por acaso "as contas estavam mal feitas", foi certamente por ideia do atual primeiro-ministro.
A mentira política como programa e narrativa é o modo de vida escolhido por Pedro Passos Coelho. É o mesmo que na entrevista televisiva apelou à "prudência", para não dizer hoje uma coisa e "a seguir ter de fazer o contrário"; que em 2011, mal se apanhou em São Bento, impôs, por acaso foi uma ideia sua, um desvio colossal às promessas feitas em campanha eleitoral com o único objetivo de ir além da troika. O primeiro-ministro, roubo a expressão ao Nicolau Santos, tortura os números do desemprego e da criação de emprego, falsifica a verdade sobre a evolução do défice, é intelectualmente desonesto no que à redução da precariedade laboral diz respeito. Basta sair à rua para responder a anúncios de emprego para verificar que a esmagadora maioria das ofertas de trabalho são a tempo parcial. Mas enfim, por acaso tudo isto resulta seguramente de ideias do primeiro-ministro. Também deve ter sido ele que, por mero acaso, se lembrou de mandar Jorge Jesus para o Sporting, de sugerir a contratação de Iker Casillas pelo FC Porto, ou quiçá de que haja chuva em novembro e Natal em dezembro.
A verdade verdadinha é que, por acaso, foi ideia nossa fazer de Pedro Passos Coelho primeiro-ministro. O povo, nas próximas eleições, até pode vir a revelar-se relapso e insistir nesta ideia brilhante. Mas, nessa altura, já não será preciso fazer como com as melancias.
Nota: Não conheço Laura Ferreira, a mulher do primeiro-ministro, de parte alguma. Aprecio-lhe a coragem, igual à de tantas mulheres, de não esconder e enfrentar o cancro de que desgraçadamente padece. Já tudo se disse - e a Ana Sá Lopes no i melhor do que todos - sobre a polémica infame do momento em que foi fotografada ao lado de Passos Coelho em Cabo Verde. Resta-me recusar vigorosamente a tese de tentativa de aproveitamento eleitoral da doença da mulher por parte do chefe do governo. É que, se por aberração isto lhe passasse pela cabeça, seria tão canalha como aqueles que agora usam a imagem de Laura Ferreira sem cabelo para o atacar.
NUNO SARAIVA
Hoje no DN

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