Ao jeito da pergunta que já aqui citei feita pela criança que depois de
lhe explicarem que quando morresse o corpo ia para debaixo da terra e a alma
para o Céu pergunta com incisiva determinação "então e eu?", talvez
seja tempo de tentarmos perceber qual o nosso papel no meio da tempestade que o
Syriza de uma forma ou de outra está a desencadear.
Um artigo assinado por Holman Jenkins JR. no "Wall Street
Journal" de 27 de janeiro friamente intitulado "Querem um amigo,
gregos? Comprem um cão!" coloca a possibilidade clara da saída do euro
estar já a ser preparada pela Alemanha et al.
E por que razão é possível de repente considerar esta possibilidade?
Não há perigo de contágio? Os bancos estão totalmente capitalizados para
enfrentar esta possível bancarrota? Os contribuintes alemães estão preparados
para uma mutualização da dívida dos estados em dificuldades que permanecem no
euro?
Nada disto. O que, pelos vistos, poderá estar na base desta
irreversível condenação dos gregos é apenas a certeza de que o Banco Central
Europeu imprimirá tanta moeda quanta a necessária para salvar as grandes
economias em dificuldades: Itália, Espanha ou França.
Dito isto e mais umas quantas precisões o autor termina com a pergunta:
"Is Portugal inside the charmed cicle or outside?" que é como quem
diz "Está Portugal dentro ou fora do círculo de países que vale a pena
resgatar?".
É curioso e assustador ao mesmo tempo que o autor não refere a Irlanda
ou Chipre, por exemplo. A noção de que tentamos cumprir, mas que em larga
medida os fundamentais da nossa economia são e manter-se-ão frágeis, para além
de sermos do Sul, falarmos Português e não contarmos realmente nas contas
ibéricas, deve ter feito o resto.
A ser assim talvez se compreenda a (excessiva) reticência com que
publicamente o sr. primeiro-ministro se referiu ao programa do novo Governo
grego.
O "conto de crianças" seria, neste caso, apenas uma outra
forma de nos afirmarmos "bons alunos" e "convictos
cumpridores".
E , no entanto, será trágico que neste xeque-mate à ideia de que não
pode haver uma Europa a duas velocidades, Portugal se mostre apenas em bicos de
pés esgrimindo uma moralista vantagem de quem cumpriu respeitosamente a
penitência imposta.
Não digo que o caminho seja embandeirar em afirmações populistas de
"um amanhã sorridente" que se promete com a inexperiência política de
quem acha que não usar gravata faz a diferença.
No entanto, deveria, parece-me, haver espaço para um debate sério sobre
a qualidade da ajuda que até agora foi dada aos estados europeus em
dificuldades. No mínimo seria justo comprovar que, por exemplo, Portugal e a
Irlanda apenas sobreviveram apesar da austeridade. Não estão propriamente
reformados nem mais competitivos.
Até porque a dívida pública grega pode ser irresponsável, mas
igualmente irresponsável ou mesmo criminosa foi a decisão de emprestar
sabendo-se que não havia condições para pagar. Portanto, a responsabilidade é
partilhada e a solução devia igualmente sê-lo.
Até aqui podia bem chegar o discurso oficial português.
Afinal, um Estado tão pequeno como a Croácia conseguiu a expensas
próprias organizar um programa de perdão total de dívidas a 60 mil dos seus
cidadãos como forma de tentar voltar a incluir na economia alguns dos mais de
300 mil que tiveram as suas contas bloqueadas por dívidas. Um acordo inédito
com autarquias, empresas de telecomunicações, bancos e empresas de serviços que
assumiram os prejuízos.
Campanha eleitoral, dizem alguns?! Talvez. Eu, por mim, na campanha
eleitoral também em curso, preferia que nos batêssemos por algo semelhante para
a Grécia. Com conta, peso e medida. Contas feitas, peso proporcional e medidas
de mudança, poucas e claras.
Se a renegociação da dívida grega for apenas o papão que nos vai aos
bolsos, então talvez rapidamente nos encontremos isolados, cumpridores de mais
para ir para o Inferno e irrelevantes de mais para nos mantermos no Céu.
CRISTINA AZEVEDO
No JN
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