Andava toda a gente - gosto desta frase, associo-a a Judite de Sousa,
na entrevista a João Araújo - num frenesim à procura de prendas que
condissessem com o parco dinheiro da sua carteira. É o que faz ser pobre. Mesmo
assim não deixava de discutir os preços dos artigos por si escolhidos. Mas
nada, mesmo nada, era comparado às moedas que possuía. Que chatice. Ainda
estava a pensar em tirar à boca para satisfazer o desejo do seu petiz. Não o
queria fazer.
Se assim fosse estava irremediavelmente sujeita a recorrer ao banco da
fome. E não queria. Tinha vergonha. Os seus vizinhos ao saberem disto
cortavam-na na casaca. É que o viver na aldeia sabe-se tudo. Se vivesse numa
cidade como Lisboa ou Porto podia passar despercebida. Ali pouco se conhecem e
muito menos meterem-se na vida alheia.
Ainda lhe apetecia tentar furtar um qualquer brinquedo para o seu
petiz. Mas não tinha habilidade. Já tinha visto algumas pessoas nos centros
comerciais a fazerem isso. Mas para tudo é preciso ter coragem e a tal
habilidade. E não estava para ser descoberta e acontecer-lhe como a algumas que
o são.
Depois a vergonha de ser levada a tribunal. E de ser punida. É que a
nossa justiça é como o governo de Passos Coelho. Forte com os fracos e Fraco
com os fortes.
É ver o que tem acontecido aos furtos praticados nos supermercados e os
praticados aos bancos e ao Estado. E depois de julgada não tem dinheiro para ir
de recurso em recurso até à prescrição.
Andava neste vaivém quando passa defronte da televisão do híper-mercado
e ouve: - “Cavaco Silva promulga privatização da TAP”. Fica estarrecida com
esta notícia.
Anda ali há horas a dar voltas se descobre uma maneira de dar uma
prenda ao seu petiz e não arranja forma disso. A outros caem-lhe de bandeja.
Como disse não quer roubar e não tem jeito para o fazer.
Ainda se tivesse alguém com coragem e habilidade para o fazer em seu
lugar! Mas não. Mesmo assim não o aceitava. Se ficou estarrecida com a
promulgação da privatização da TAP, não ia aceitar que alguém furtasse um
brinquedo para o seu petiz. É que na sua maneira de ver ia dar o mesmo efeito
de Cavaco Silva. E não era nem se comparava com ele.
Preferia ser pobre do que ficar a dever favores a alguém. É que se
Cavaco Silva promulgou a venda da TAP e “toda a gente” sabe que era um dos únicos
símbolos que ainda nos restava. Alguma coisa o moveu para tal atitude.
E… continuava a pensar: mais vale ser pobre e não poder dar um
brinquedo ao seu petiz do que ser rico, ou julgar sê-lo, e não ter o sentimento
de honestidade e rectidão. É verdade. É que para o ter tem de se nascer com
ele. E, não vale dizer que se tem de nascer duas vezes.
É que palavras leva-as o vento. As acções é que são difíceis de
praticar. E gostava de ter nascido uma só vez. De não poder dar um brinquedo
por mais insignificante que fosse ao seu petiz do que ser apanhada e falada no
seio da sua vizinhança. -“Olha, ali vai a ladra!”.
Assim veio para casa ainda estarrecida com a notícia da venda da TAP e
sem o brinquedo para o seu petiz.
Mas como era a antevéspera de Natal ainda podia ser que houvesse uma
alma caridosa que ofertasse um brinquedo. Mas não queria que fosse alguém como
Cavaco Silva.
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