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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Era a antevéspera de Natal.

Andava toda a gente - gosto desta frase, associo-a a Judite de Sousa, na entrevista a João Araújo - num frenesim à procura de prendas que condissessem com o parco dinheiro da sua carteira. É o que faz ser pobre. Mesmo assim não deixava de discutir os preços dos artigos por si escolhidos. Mas nada, mesmo nada, era comparado às moedas que possuía. Que chatice. Ainda estava a pensar em tirar à boca para satisfazer o desejo do seu petiz. Não o queria fazer.
Se assim fosse estava irremediavelmente sujeita a recorrer ao banco da fome. E não queria. Tinha vergonha. Os seus vizinhos ao saberem disto cortavam-na na casaca. É que o viver na aldeia sabe-se tudo. Se vivesse numa cidade como Lisboa ou Porto podia passar despercebida. Ali pouco se conhecem e muito menos meterem-se na vida alheia.
Ainda lhe apetecia tentar furtar um qualquer brinquedo para o seu petiz. Mas não tinha habilidade. Já tinha visto algumas pessoas nos centros comerciais a fazerem isso. Mas para tudo é preciso ter coragem e a tal habilidade. E não estava para ser descoberta e acontecer-lhe como a algumas que o são.
Depois a vergonha de ser levada a tribunal. E de ser punida. É que a nossa justiça é como o governo de Passos Coelho. Forte com os fracos e Fraco com os fortes.
É ver o que tem acontecido aos furtos praticados nos supermercados e os praticados aos bancos e ao Estado. E depois de julgada não tem dinheiro para ir de recurso em recurso até à prescrição.
Andava neste vaivém quando passa defronte da televisão do híper-mercado e ouve: - “Cavaco Silva promulga privatização da TAP”. Fica estarrecida com esta notícia.
Anda ali há horas a dar voltas se descobre uma maneira de dar uma prenda ao seu petiz e não arranja forma disso. A outros caem-lhe de bandeja. Como disse não quer roubar e não tem jeito para o fazer.
Ainda se tivesse alguém com coragem e habilidade para o fazer em seu lugar! Mas não. Mesmo assim não o aceitava. Se ficou estarrecida com a promulgação da privatização da TAP, não ia aceitar que alguém furtasse um brinquedo para o seu petiz. É que na sua maneira de ver ia dar o mesmo efeito de Cavaco Silva. E não era nem se comparava com ele.
Preferia ser pobre do que ficar a dever favores a alguém. É que se Cavaco Silva promulgou a venda da TAP e “toda a gente” sabe que era um dos únicos símbolos que ainda nos restava. Alguma coisa o moveu para tal atitude.
E… continuava a pensar: mais vale ser pobre e não poder dar um brinquedo ao seu petiz do que ser rico, ou julgar sê-lo, e não ter o sentimento de honestidade e rectidão. É verdade. É que para o ter tem de se nascer com ele. E, não vale dizer que se tem de nascer duas vezes.
É que palavras leva-as o vento. As acções é que são difíceis de praticar. E gostava de ter nascido uma só vez. De não poder dar um brinquedo por mais insignificante que fosse ao seu petiz do que ser apanhada e falada no seio da sua vizinhança. -“Olha, ali vai a ladra!”.
Assim veio para casa ainda estarrecida com a notícia da venda da TAP e sem o brinquedo para o seu petiz.
Mas como era a antevéspera de Natal ainda podia ser que houvesse uma alma caridosa que ofertasse um brinquedo. Mas não queria que fosse alguém como Cavaco Silva.

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