Os meros interesses económicos não podem 'matar', na CPLP, a língua
portuguesa, a democracia, a ética. E, com a admissão da Guiné Equatorial, do
tirânico regime de Obiang, 'matam'
ACIMEIRA DA VERGONHA No próximo dia 23, na cimeira de Dili, a
Guiné-Equatorial (GE) vai ser admitida como membro de pleno direito da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Digo bem: dos Países de
Língua Portuguesa, que na GE não existe, e não dos Países Produtores de
Petróleo, que na GE existe, muito. Assim, a cimeira que deveria ficar na
história da CPLP pelas melhores razões - desde logo pelo simbolismo de se
realizar no mais novo país que a integra, com uma heróica luta pela
independência e cuja opção pelo português é uma das marcas decisivas da sua
identidade nacional -, ficará pelas piores: será a cimeira da vergonha. Ou da
sem vergonha: aquela em que a Comunidade abdicará de fatores, valores e
princípios fundamentais, para admitir um país que nada tem a ver com a nossa
língua nem com as culturas que (também) nela se exprimem, e que é uma das
ditaduras mais sangrentas e corruptas de África (ver pp. 78/79). O que a mim,
como a muita gente, profundamente entristece e indigna. Como em tempos notei, o
estatuto de "observador" da GE na CPLP era o máximo que um mínimo de
decência podia admitir.
UM PROJETO AFOGADO EM PETRÓLEO Para se compreender melhor a minha
indignação, esclareço que acompanhei, com entusiasmo, a génese e os primeiros
passos da CPLP. Porque acompanhei, muito de perto e por dentro, o sonho, o
projeto e o trabalho de José Aparecido de Oliveira, embaixador do Brasil em
Lisboa, idealizador e obreiro n°. 1 da CPLP, a quem já se devera, enquanto
ministro da Cultura, a criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa.
Mais, dei à sua, nossa, causa todo o apoio possível, como cidadão e jornalista.
Em particular no JL, Jornal de Letras, que desde o início teve entre os seus
desígnios principais a construção dessa Comunidade. De tal modo, que a primeira
Mesa Redonda Luso-Afro-Brasileira, tendo em vista a sua institucionalização,
com numerosos e prestigiosos participantes dos diversos países de idioma comum,
foi organizada com a "chancela" do JL. Lê-se o muito que foi dito nesse
encontro pioneiro, o que todos entendiam devia ser a Comunidade, vê-se agora ao
que vai chegar - e nem se acredita!
A ESSÊNCIA DA COMUNIDADE A CPLP tem, na sua base, na sua essência, uma
língua comum; uma história, para o bem e para o mal, largamente partilhada; certas
afinidades culturais; o assumido respeito pela democracia e pelos Direitos
Humanos (DH); a vontade de colaborar para obter legítimas vantagens recíprocas.
É uma comunidade de valores, de afetos e de interesses. E os meros interesses
económicos, supostos ou reais, não podem matar tudo o resto. O petróleo não
pode matar a língua portuguesa, a democracia, a ética. E é isto que acontece
com aquela admissão da GE: apenas os negócios que com o petróleo e noutros
campos alguns querem fazer com o tirânico regime de Teodoro Obiang explica tal
despudorada admissão, que, aliás, contraria frontalmente os Estatutos da CPLP.
TORTURA E/OU MORTE O despudor e a hipocrisia chegaram ao extremo de ter
sido posta como condição para tal admissão que a GE acabasse com a pena de
morte. Não acabaram, mas, dizem, suspenderam. Mesmo que tivessem acabado,
tenham ou não suspenso, o que é que isso adianta ou atrasa, se os DH não
existem e os presos políticos podem ser torturados... até à morte? Parece que
ser morto na tortura, e não executado legalmente, já permite ser membro de
pleno direito da CPLP um país de língua espanhola, onde já também o francês é
"língua oficial", agora se lhe juntando o português, a que se poderá,
claro, juntar o inglês, o chemehuri ou o lemerig, o que lhes der jeito.
COMO É POSSÍVEL? Sim, como é possível que isto vá acontecer numa
cimeira no país e com o apoio de Xanana Gusmão, de Ramos Horta, do Presidente
Taur Matan Ruak? Com o apoio de dirigentes políticos com o passado, o percurso
e as responsabilidades de Lula da Silva e da Presidente Dilma Roussef? E de
governantes africanos que se bateram pela independência e liberdade dos seus
povos e hoje se afirmam democratas? E Portugal, porque é que o nosso país
"cedeu"?, qual o papel de um Luís Amado?, quais as eventuais
consequências de utilizar o seu direito de veto (que agora a GE também passará
a ter)? As respostas levar-nos-iam muito longe...
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