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quinta-feira, 24 de julho de 2014

CPLP: Petróleo, 'über alles'....

Os meros interesses económicos não podem 'matar', na CPLP, a língua portuguesa, a democracia, a ética. E, com a admissão da Guiné Equatorial, do tirânico regime de Obiang, 'matam'
ACIMEIRA DA VERGONHA No próximo dia 23, na cimeira de Dili, a Guiné-Equatorial (GE) vai ser admitida como membro de pleno direito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Digo bem: dos Países de Língua Portuguesa, que na GE não existe, e não dos Países Produtores de Petróleo, que na GE existe, muito. Assim, a cimeira que deveria ficar na história da CPLP pelas melhores razões - desde logo pelo simbolismo de se realizar no mais novo país que a integra, com uma heróica luta pela independência e cuja opção pelo português é uma das marcas decisivas da sua identidade nacional -, ficará pelas piores: será a cimeira da vergonha. Ou da sem vergonha: aquela em que a Comunidade abdicará de fatores, valores e princípios fundamentais, para admitir um país que nada tem a ver com a nossa língua nem com as culturas que (também) nela se exprimem, e que é uma das ditaduras mais sangrentas e corruptas de África (ver pp. 78/79). O que a mim, como a muita gente, profundamente entristece e indigna. Como em tempos notei, o estatuto de "observador" da GE na CPLP era o máximo que um mínimo de decência podia admitir.
UM PROJETO AFOGADO EM PETRÓLEO Para se compreender melhor a minha indignação, esclareço que acompanhei, com entusiasmo, a génese e os primeiros passos da CPLP. Porque acompanhei, muito de perto e por dentro, o sonho, o projeto e o trabalho de José Aparecido de Oliveira, embaixador do Brasil em Lisboa, idealizador e obreiro n°. 1 da CPLP, a quem já se devera, enquanto ministro da Cultura, a criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa. Mais, dei à sua, nossa, causa todo o apoio possível, como cidadão e jornalista. Em particular no JL, Jornal de Letras, que desde o início teve entre os seus desígnios principais a construção dessa Comunidade. De tal modo, que a primeira Mesa Redonda Luso-Afro-Brasileira, tendo em vista a sua institucionalização, com numerosos e prestigiosos participantes dos diversos países de idioma comum, foi organizada com a "chancela" do JL. Lê-se o muito que foi dito nesse encontro pioneiro, o que todos entendiam devia ser a Comunidade, vê-se agora ao que vai chegar - e nem se acredita!
A ESSÊNCIA DA COMUNIDADE A CPLP tem, na sua base, na sua essência, uma língua comum; uma história, para o bem e para o mal, largamente partilhada; certas afinidades culturais; o assumido respeito pela democracia e pelos Direitos Humanos (DH); a vontade de colaborar para obter legítimas vantagens recíprocas. É uma comunidade de valores, de afetos e de interesses. E os meros interesses económicos, supostos ou reais, não podem matar tudo o resto. O petróleo não pode matar a língua portuguesa, a democracia, a ética. E é isto que acontece com aquela admissão da GE: apenas os negócios que com o petróleo e noutros campos alguns querem fazer com o tirânico regime de Teodoro Obiang explica tal despudorada admissão, que, aliás, contraria frontalmente os Estatutos da CPLP.
TORTURA E/OU MORTE O despudor e a hipocrisia chegaram ao extremo de ter sido posta como condição para tal admissão que a GE acabasse com a pena de morte. Não acabaram, mas, dizem, suspenderam. Mesmo que tivessem acabado, tenham ou não suspenso, o que é que isso adianta ou atrasa, se os DH não existem e os presos políticos podem ser torturados... até à morte? Parece que ser morto na tortura, e não executado legalmente, já permite ser membro de pleno direito da CPLP um país de língua espanhola, onde já também o francês é "língua oficial", agora se lhe juntando o português, a que se poderá, claro, juntar o inglês, o chemehuri ou o lemerig, o que lhes der jeito.
COMO É POSSÍVEL? Sim, como é possível que isto vá acontecer numa cimeira no país e com o apoio de Xanana Gusmão, de Ramos Horta, do Presidente Taur Matan Ruak? Com o apoio de dirigentes políticos com o passado, o percurso e as responsabilidades de Lula da Silva e da Presidente Dilma Roussef? E de governantes africanos que se bateram pela independência e liberdade dos seus povos e hoje se afirmam democratas? E Portugal, porque é que o nosso país "cedeu"?, qual o papel de um Luís Amado?, quais as eventuais consequências de utilizar o seu direito de veto (que agora a GE também passará a ter)? As respostas levar-nos-iam muito longe...

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