Rádio Freamunde

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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Faz hoje 53 anos:


Era um domingo o dia cinco de Fevereiro de mil novecentos e sessenta e um e como vem sendo tradicional celebra-se a festa em honra de S. Águeda, no lugar com o mesmo nome, na freguesia de Sousela, no concelho de Lousada. Santa Águeda é protectora dos seios das mulheres e com isso do leite materno o que faz com que mulheres com problemas de aleitação para os seus filhos façam promessas e aproveitem o dia festivo para as satisfazer. Foi o que aconteceu com a minha mãe. Teve dificuldade com a aleitação de uma minha irmã e prometeu a S. Águeda caso a filha vingasse ia ali a pé ouvir uma missa em sua honra. E, assim aconteceu.
Naquele tempo o horário laboral era de segunda a sábado e o perder meio-dia de trabalho fazia-se sentir na féria quinzenal. Teve que se aproveitar que a Santa Águeda calhasse a um domingo. E foi o que aconteceu no dia cinco de Fevereiro de mil novecentos e sessenta e um. O dia nasceu com sol e propício para se fazer a caminhada. Os meus pais e meus irmãos, comigo incluído, lá partimos por entre agras, montes e vales, com um farnel para devorarmos ao meio-dia. A distância é de uns dez quilómetros o que levou a que quando lá chegamos íamos estafadínhos. Mas promessas são promessas.
Quando íamos a caminho ouvimos de outras pessoas que como nós iam para o mesmo efeito, que se falava em Freamunde, que tinha morrido em Angola, Nuno Augusto Ferreira Mendes, que ali desempenhava funções de Polícia de Segurança Pública. Não se sabia o motivo. Recebemos essa notícia com estupefacção. Disse o meu pai: tão bom rapaz era e tanto lutou na vida para a melhorar que veio a falecer. Nuno Augusto era serralheiro civil na mesma fábrica e secção do meu pai. Por isso o meu pai atestar a bondade dele.
Foi cumprir o serviço militar e quando passou a pronto foi mobilizado para a India, para uma das três províncias, que eram Goa, Damão e Diu. Regressou de cumprir o serviço militar e voltou para a fábrica de Albino de Matos Pereira & Barros para a mesma profissão. Nessa altura já ali trabalhava e tive oportunidade de o conhecer. Assim também pude atestar o mesmo que meu pai atestou. Era visto como um herói pela petizada que comigo ali trabalhava pelo motivo de estar na India ao serviço do exército português. É que naquela altura quem fosse à “tropa” era considerado um homem perfeito. Quantos choraram por não ter essa primazia.
Depois de a minha mãe ter cumprido a promessa arranjamos um lugar no monte de Santa Águeda para dar cabo do farnel. Acabado este, metemos pés a caminho porque ainda tínhamos umas duas horas para palmilhar. E assim chegamos a Freamunde e podemos nos inteirar do infortúnio de Nuno Augusto. Agora não eram boatos mas sim certezas até porque a Rádio Televisão Portuguesa e a Emissora Nacional não podiam esconder os factos. Assim, soube-se:
“Na Madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1961, grupos de guerrilheiros angolanos, comandados por Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel Mateus e Imperial Santana, num total de cerca de duzentos homens, armados com catanas, desencadearam uma série de acções na cidade de Luanda. Um desses grupos montou uma emboscada a uma patrulha da Polícia Militar, neutralizando os quatro soldados, tomando-lhes as armas e as munições. Com o objectivo de libertar os presos políticos, assaltaram a Casa da Reclusão Militar, o que não conseguiram.
Outros alvos foram a cadeia da PIDE, no Bairro de São Paulo e a cadeia da 7ª Esquadra da PSP, onde havia também presos políticos. Tentaram igualmente ocupar a «Emissora Oficial de Angola», estação de rádio ao serviço da propaganda do Estado.
Nestas acções, morreram quarenta guerrilheiros, seis agentes da polícia e um cabo do Exército Português, junto da Casa da Reclusão.
O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), considera o 4 de Fevereiro como data do início da luta armada em Angola. No entanto, na origem desta rebelião esteve o cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves (1896-1966), mestiço, natural da vila do Golungo-Alto, missionário secular da arquidiocese de Luanda, o qual não estava ligado ao MPLA.”
Desde este dia as rebeliões aconteciam um pouco pelo norte de Angola mais precisamente pela zona dos Dembos: Caxito, Quicabo, Beira Baixa, Nambuangongo e certas fazendas por ali existentes o que levou Salazar a proferir a célebre frase: para Angola e em força. A partir de Maio começou a partir do cais de Alcântara os primeiros barcos com tropa para Angola.
De Freamunde - minha terra - foram uns quantos, alguns já estavam a acabar o tempo de tropa. Mas não havia nada a fazer. A partir daqui quase todos os batalhões que para ali iam, fazia parte deles, soldados de Freamunde. Os anos iam passando e não havia maneira da guerra acabar quer fosse pela derrota do inimigo, por um tratado de paz ou pela descolonização. E assim se foi andando, andando e andando até que chegou à minha vez. Nunca pensei que tal acontecesse e para mais ir para o teatro de guerra onde ela começou.
Não é por ter vergonha de fazer parte desses jovens. Sinto orgulho e tenho a consciência tranquila de dever cumprido. A minha Companhia (3341) pode-se orgulhar de ter contribuído para o engrandecimento de Angola. Quer em dinamização quer em obras que efectuou deixando um rol do qual me orgulho assim como os meus colegas.
Por isso o hoje vir aqui lembrar o quatro de Fevereiro de mil novecentos e sessenta e um e lembrar o Nuno Augusto Ferreira Mendes.

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