O fenómeno já me irritou, mas agora acho piada à coisa: os portistas
não comemoram a vitória do FC Porto, comemoram a derrota do Benfica. E há aqui
uma diferença. O FC Porto é uma irrelevância na minha relação com o Benfica. Eu
comemoro as vitórias do Benfica, eu sinto alegria pelo Benfica, ponto final. Os
portistas, porém, não têm esta relação com o FC Porto. Para se sentirem
portistas, eles têm de odiar uma coisa exterior ao clube, o Benfica, Lisboa, os
magrebinos, os mouros, etc. Ou seja, a agremiação nortenha não é
auto-suficiente, não é grande o suficiente, precisa do meu Benfica.
Naturalmente, eu só podia achar piada a este fenómeno que deveria interessar
aos departamentos de antropologia. Porquê? Porque confirma a superioridade do
Benfica. Para existir como adepto, o portista precisa do Benfica. O benfiquista
só precisa do Benfica.
No dia-a-dia, eu não acompanho os jogos do FC Porto. Nem sei quando
joga. Ao invés, cada portista é um especialista do Benfica. Sabem sempre quem
está lesionado, quem é o árbitro do jogo do Glorioso e vêem os jogos do Benfica
com mais intensidade do que os jogos do FC Porto. Naqueles corações em perpétua
vingança, a derrota do Benfica é mais saborosa do que a vitória do FC Porto.
Até apetece dizer que cada portista é um benfiquista em potência. É como se
cada portista tivesse à espera do momento certo para fazer o seu coming out
futebolístico, é pá, afinal eu sou benfiquista, ó paizinho, importa-se de
passar o sal a um mouro? O portista é uma dependência emotiva do Glorioso.
E esta dependência chega a ser cómica. Estamos a falar de um clube que
domina há uma geração (25 anos) o futebol português. Apesar deste domínio do
tamanho dos Clérigos, a agremiação em causa mantém a mentalidade de cerco, a
mentalidade do Asterix que vai desafiar o centro romano. Isto é um pouco
ridículo, repito, porque passados 25 anos o centro do futebol português está no
Norte e no FC Porto, em particular. O centro já não é o Benfica, que ganhou 4
títulos nos últimos 23 anos. Ao longo deste tempo, o FC Porto devia ter
desenvolvido uma cultura autónoma, uma cultura de clube grande, uma cultura de
Império do Meio que não precisa do "outro" para saber quem é. Mas de
forma um pouco estranha isso não aconteceu. Porquê? A visão pequenina de Pinto
da Costa não o permite: depois de tantos êxitos internos, depois de 2 Ligas dos
Campeões e 2 Ligas Europa, o líder da agremiação diz que a sua maior alegria
foi "vencer um campeonato na Luz". Ora, esta incapacidade do FC Porto
para criar uma cultura sem a variável Benfica dá-me um certo conforto. Só
ficarei preocupado quando descobrir portistas a comemorar as vitórias do FC
Porto e não as derrotas do Benfica.
Henrique Raposo
No Expresso de hoje
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