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sábado, 27 de novembro de 2010

A Dona Marina:



Quando fui transferido da Cadeia de Guimarães para a Cadeia Feminina de Felgueiras no ano de 1992, de entre quarenta reclusas que ali cumpriam pena de prisão, encontrei uma, que me fez lembrar uma senhora que todos os fins-de-semana se deslocava à Cadeia de Paços de Ferreira visitar o filho que ali cumpria pena de prisão.
Um dia em conversa com essa reclusa disse-lhe que a conhecia de qualquer lugar, ao que me respondeu que também me conhecia de quando ia visitar o filho e me encontrava na Portaria da Cadeia a desempenhar o meu serviço.
Aí verifiquei que era a senhora que todas as semanas ali chegava sempre bem-disposta e dizia que sentia muita consideração por nós, porque aturávamos de tudo, já não bastava os reclusos que ainda tínhamos que levar com os seus familiares. 
Dizia-lhe que eram os ossos do ofício que tínhamos de estar preparados para essas situações. Que sentia mais pena por elas (familiares dos reclusos) que sofriam mais que eles, tanto fisicamente, eram dolorosas as horas de espera na fila, e emocionalmente. Quanto à espera na fila era desesperante quando não se agrediam. Discussões era o pão-nosso de cada dia principalmente com a raça cigana que não respeitava ninguém.
D. Mariana, a de vestido
Perguntei à dona Marina, era assim que se chamava, o motivo que a levou a cometer o homicídio. Era o crime porque cumpria pena de prisão. Disse-lhe que já não bastava o tempo que andou a correr para as Cadeias a visitar o filho ainda tinha que gramar esta pena por homicídio. Respondeu-me que tinha que suportar a cruz que lhe tinha sido destinada, ou antes as cruzes, porque a vida dela sempre foi um martírio. Além da infelicidade pelo filho passar quase a vida toda nas Cadeias ainda tinha que suportar o marido que era um alcoólico e lhe dava mau viver além das agressões físicas. Que onde encontrou um pouco de paz foi desde que se encontrava presa.
O motivo que a levou a cometer o crime é que já não suportava levar tanta porrada e um dia encheu-se de coragem e matou-o à facada. Para encobrir o crime queimou o corpo. Como não era visto, um dia a Polícia Judiciária deslocou-se à sua residência, vivia numa casa com o terreno todo murado, vendia sucata, para saber da ausência do seu marido e aí disse-lhes que o tinha matado e queimado. A Policia Judiciária não se acreditava o que a levou (Judiciária) a fazer uma peritagem às cinzas o que se veio a confirmar.
Era uma senhora que me fazia lembrar a minha mãe, sempre bem-disposta, com bons modos para com todos os funcionários da cadeia e estes sempre com muito carinho por ela. Beneficiava da flexibilidade da pena, saídas precárias prolongadas e quando chegou ao meio da pena foi-lhe concedida a liberdade condicional. A partir daí nunca mais soube da dona Marina. Julgo que não tinha mais família. A Segurança Social em casos destes costuma dar uma melhor protecção, pelo que julgo que dona Marina foi para qualquer lar de caridade.
Gosto de relatar estes casos. São pessoas e não objectos e necessitam do nosso carinho. Era o que acontecia com a D. Marina. Teve várias cruzes. Mas dizia que a mais leve foi a da Cadeia.
Este texto era para ser postado no dia em que se celebrou o dia da vítima. Não o fiz pelo motivo de dizerem que a vítima tinha sido o seu marido. Quanto a mim muitas das vezes o que leva ao desespero e a cometer estes actos é o facto do mau trato que estas pessoas são sujeitas e depois estão por tudo. Ou morrem ou matam. Não sei se não teria a mesma reacção.

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