Rádio Freamunde

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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A vinda do correio:

Uma vez por semana vinha uma avioneta “DO” trazer-nos o correio, por força do hábito apercebíamo-nos dela ao longe. De imediato ia uma secção de atiradores fazer protecção para ela aterrar. A pista de aterragem ficava fora do arame farpado que circundava o quartel. Vinham as cartas e aerogramas. Que bom para a malta. Em muitos serviços que nos mandavam fazer íamos a custo, para fazer protecção à DO, não faltavam voluntários.


                           Pôr a correspondência em dia

Ficávamos a ter conhecimento de coisas que se tinham passado há oito dias. Para nós eram fresquinhas. Só quem não esteve nesta situação não sabe dar o valor. De notícias na hora era através da telefonia. Os jogos de futebol, Benfica e Sporting. O Porto não contava, era de segundo plano, só quando jogava com o Benfica, é que era falado. 
Os discos pedidos na Emissora Católica Angolana. A tropa o que mais pedia era:   
"Lá Longe" de Paco Bandeira

“Tudo Passará” de Nelson Ned


“Eu te Amo” de Roberto Carlos



Havia más notícias, as namoradas deixavam os namorados, depois era a bebedeira e nós é que suportávamos os seus devaneios. Um casado que recebeu uma carta dizendo que era pai. Ficou contente. Encontrávamos há quase onze meses em Angola e a carta não sofreu um grande atraso. Era com isto que tínhamos de lidar.
Na companhia havia um Furriel Miliciano, se nós disséssemos, notícias fresquinhas meu furriel, ele rasgava logo a carta ou aerograma. Ainda nos encontrávamos em Santa Margarida, um dia na camarata dos soldados, resolveu fazer uma palestra, (hoje, comício) de entre muitas coisas, disse aos minhotos. Tenham cuidado, uma vez que são muito voluntariosos, a guerra não merece esse esforço. Também era minhoto. Teve sempre problemas em habituar-se e era sempre mal compreendido, principalmente pelos seus colegas furriéis.
Os dias passavam e as operações continuavam. Um dia numa operação de três dias e numa mata densa, levava o rádio TR 28 às costas, pesava sensivelmente quinze quilos, o rádio AVP1 para transmitir com a aviação, um saco com rações de combate, a espingarda G3 e granadas de defesa. Noutra operação e como ia sempre sobrecarregado, resolvi levar a pistola Valter, mas senti-me como despido, a partir daí, não dispensava a minha G3. A certa altura pedi ao alferes que comandava a operação a ver se arranjava um atirador para me levar o AVP1. Disse a vários, mas todos se recusaram, dizendo que não eram das transmissões. O alferes também não obrigou nenhum, quase concordando com a atitude deles.
Passados uns tempos estávamos os mesmos intervenientes a fazer protecção à J.A.E.A. e o alferes dispensou dois soldados para irem ao quartel tratar de assuntos e lá pernoitarem. Chegada a noite, estávamos todos reunidos e quando era para distribuir os soldados, o cabo de uma secção disse ao alferes que não tinha soldados suficientes para fazer o reforço. O alferes disse-lhe para me meter a fazer reforço. Respondi-lhe que não era atirador e que não fazia o reforço – amor, com amor se paga. Teve de ir o furriel Fernandes, lamentei por ser ele, era dos melhores furriéis da companhia.
Passado um dia fomos rendidos, quando chegamos ao quartel fui chamado ao capitão. Perguntou-me porque me neguei fazer o reforço, quando lhe ia explicar o motivo mandou-me calar e preparar as coisas para ir de castigo outra vez para lá. Perguntei-lhe se também fazia reforços ao que respondeu. Derivado à sua especialidade não tem que fazer reforços. Coisas da tropa.

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