Antes destes acontecimentos andávamos felizes. No dia dezasseis de
Março partia o primeiro contingente para o Grafanil, no qual estava incluído,
para aguardamos embarque para Lisboa, previsto para o dia três de Abril.
Estávamos ansiosos que esse dia chegasse. Nunca pensávamos que a poucos
dias de regressar ao Grafanil nos viesse acontecer tal tragédia. Uns dias antes
num programa que era transmitido, não posso precisar qual a emissora, não era
Portuguesa, chamávamos-lhe o programa da “Maria Turra”, o batalhão foi elogiado
pelo seu desempenho.
Andávamos desanimados pelo acontecido. Parecia que voltávamos a ser
maçaricos. Tínhamos vinte e dois meses de serviço. Do soldado desaparecido não
sabíamos nada. Só não sabe compreender esta inquietação quem não passa por esta
realidade. Houve mortos, mas recuperou-se os seus corpos, deste, não se sabia
de nada.
No dia quinze de Março chegou o primeiro contingente que nos vinha
render. Vinham com bastante medo. Não lhe podíamos esconder os acontecimentos.
Foram grandes de mais. Quando isto acontece, sabe-se logo em todo o norte de
Angola. Eles tiveram conhecimento. Tentamos animá-los, dizendo que estes
ataques são esporádicos. Mas de nada valia.
Quando aqui chegamos tivemos uma boa recepção, gostaríamos também de a
dar, mas não somos donos do destino.
No dia dezasseis partimos com destino ao Grafanil. As camionetas se não
eram as mesmas eram iguais.
Olhávamos para todos lados. O receio era tanto. Depois de vinte e dois
meses vividos com sofrimento há última hora podia haver uma surpresa.
Quando ia para a mata em operações tinha como lema, “era impossível
entre tantos vir logo uma bala destinada a mim”. Era o que pensava nesse
momento.
Aproximávamos do local da emboscada. Todos nos pusemos em pé e de arma
em riste para nos prevenir de algo. Ninguém falava. Não sinto vergonha de
descrever o nosso medo. Foi das viagens mais difíceis e a que pareceu mais
longa. Só não sente medo quem é louco.
Vila do Caxito
Chegamos ao Caxito. Parece que recebemos outro oxigénio. Os nossos
pulmões abriram de par em par e demos um grito enorme. Algumas pessoas que por
ali passavam ficaram admiradas com tal procedimento mas estávamo-nos
marimbando.
Daí em diante se nos acontecesse alguma desgraça só se fosse de
acidente de viação, mas quem fazia este tipo de transporte, eram pessoas com
muita experiência. Já pensava nas tarimbas, nos colchões de palha e nos
percevejos. Mal por mal preferia estes.
Ao outro dia fui ter com o Abílio (Rangel). Agora morava no bairro
Popular, perto da igreja. Voltou a oferecer-me guarida. Aceitei e assim deixei
os percevejos até ao dia dois de Abril.
Marginal de Luanda
Quando queria encontrar os meus companheiros ia até à cervejaria
Portugália. Lá nos encontrávamos.
O Rocha, soldado condutor Auto-rodas, foi transferido para o quartel
dos Adidos, tinha tido um acidente de viação, ainda não estava resolvido o
processo e não podia embarcar connosco. Tive pena éramos como irmãos, hoje
encontramo-nos com frequência ou na casa dele (Praia da Granja) ou na minha.
Na Marginal de Luanda
Luanda era uma cidade bonita e moderna. O nível de vida era bom. Os
restaurantes, cervejarias e cafés estavam sempre cheios de gente. Comia-se bem
e o preço não era por aí além - como é uso dizer-se aqui na minha terra. Muitas
vezes não precisávamos de jantar. Na avenida dos Combatentes havia um snack-bar
que oferecia como aperitivo um pires de feijoada à moda do Porto, sempre que
era pedido um fino. Bebíamos uns poucos e já não precisávamos de jantar.
Nos dezassete dias que lá passei corri um pouco de tudo. Vi dois jogos
de basquetebol no mesmo dia. Estava-se a disputar o campeonato Nacional, no
pavilhão dos Coqueiros. Eram quatro equipas. O Sporting de Lourenço Marques, o
Sporting de Portugal, o F. C. Luanda e Sport Lisboa e Benfica. No estádio com o
mesmo nome vi o Atlético, de Lisboa, com o F. C. Luanda.
Fui uma noite ouvir fado e à boite Veleiro, na Ilha. Percorríamos os
bairros Operário, Marçal, no Popular vivi estes dias.
Quando à noite ia para casa passava pela Feira Popular, junto à sétima
esquadra, que decorria nesse período. Com esta vida podia bem mas estava
ansioso pelo regresso.
Aeroporto de Luanda (hoje, 4 de Fevereiro)
Até que chegou o dia três de Abril. Na véspera tinha-me despedido do
Abílio e esposa, para mim foram como pais, - com a descolonização vieram para a
minha terra, quando casei foram meus convidados.
Pelas nove horas saíamos para o aeroporto de Luanda, hoje “quatro de
Fevereiro” para embarcamos. Recebemos a notícia que não era a essa hora por
causa de uma avaria no avião. Azar o nosso. Como já não contavam connosco para
o almoço tivemos de comer ração de combate.
Estava farto deste tipo de mantimento. Não comi quase nada. Só tinha
sede. Como tinha gasto todos os Angolares não tinha dinheiro para beber. O
Barroso, que muitas vezes serviu de meu banco, lá me pagou umas, Coca-Cola.
Chegou a tarde comecei a sentir uns calafrios. Tive receio de ser o
paludismo. Tinha de me de fazer forte até entrar no avião. Fui ajudado pelos
meus colegas rádios telefonistas.
O avião Boeing 747 era enorme. Aqui não tivemos ninguém a dar-nos a
despedida. Os motores já trabalhavam para fazer o aquecimento e de repente
dizem! Senhores passageiros por favor apertem o cinto, vamos iniciar a viagem
Luanda - Lisboa, com a duração provável de nove horas.
Agora o barulho dos motores é descomunal. Iniciou a subida por volta
das quinze horas e quarenta minutos. Deu duas voltas a Luanda. Com isto pudemos
ver como era bonita!
Que saudades tenho dela. Em conversa com amigos, os que tiveram a sorte
de não ir à tropa, ou ao ultramar - como se usa dizer - admiram-se de fazer
tanta referência a Angola. Dizendo que não compreendem tal entusiasmo. Não lhes
chamo hipócritas. Só em pensamento. Deixei lá quase dois anos, dos melhores
anos da minha vida.
Rumamos a Lisboa tendo chegado à uma hora e quinze minutos. Fomos transportados para o R. A. L. 1, para fazermos o espólio e quando vou a descer da viatura, ouço uma voz: - vem aí o soldado Manuel Pacheco? - Era a voz inconfundível do meu pai, que ali me foi esperar.
Rumamos a Lisboa tendo chegado à uma hora e quinze minutos. Fomos transportados para o R. A. L. 1, para fazermos o espólio e quando vou a descer da viatura, ouço uma voz: - vem aí o soldado Manuel Pacheco? - Era a voz inconfundível do meu pai, que ali me foi esperar.
Fim
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