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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Regresso a Luanda (aguardar embarque):

Antes destes acontecimentos andávamos felizes. No dia dezasseis de Março partia o primeiro contingente para o Grafanil, no qual estava incluído, para aguardamos embarque para Lisboa, previsto para o dia três de Abril.
Estávamos ansiosos que esse dia chegasse. Nunca pensávamos que a poucos dias de regressar ao Grafanil nos viesse acontecer tal tragédia. Uns dias antes num programa que era transmitido, não posso precisar qual a emissora, não era Portuguesa, chamávamos-lhe o programa da “Maria Turra”, o batalhão foi elogiado pelo seu desempenho.
Andávamos desanimados pelo acontecido. Parecia que voltávamos a ser maçaricos. Tínhamos vinte e dois meses de serviço. Do soldado desaparecido não sabíamos nada. Só não sabe compreender esta inquietação quem não passa por esta realidade. Houve mortos, mas recuperou-se os seus corpos, deste, não se sabia de nada.
No dia quinze de Março chegou o primeiro contingente que nos vinha render. Vinham com bastante medo. Não lhe podíamos esconder os acontecimentos. Foram grandes de mais. Quando isto acontece, sabe-se logo em todo o norte de Angola. Eles tiveram conhecimento. Tentamos animá-los, dizendo que estes ataques são esporádicos. Mas de nada valia.
Quando aqui chegamos tivemos uma boa recepção, gostaríamos também de a dar, mas não somos donos do destino.
No dia dezasseis partimos com destino ao Grafanil. As camionetas se não eram as mesmas eram iguais.
Olhávamos para todos lados. O receio era tanto. Depois de vinte e dois meses vividos com sofrimento há última hora podia haver uma surpresa.
Quando ia para a mata em operações tinha como lema, “era impossível entre tantos vir logo uma bala destinada a mim”. Era o que pensava nesse momento.
Aproximávamos do local da emboscada. Todos nos pusemos em pé e de arma em riste para nos prevenir de algo. Ninguém falava. Não sinto vergonha de descrever o nosso medo. Foi das viagens mais difíceis e a que pareceu mais longa. Só não sente medo quem é louco.

Vila do Caxito

Chegamos ao Caxito. Parece que recebemos outro oxigénio. Os nossos pulmões abriram de par em par e demos um grito enorme. Algumas pessoas que por ali passavam ficaram admiradas com tal procedimento mas estávamo-nos marimbando. 
Daí em diante se nos acontecesse alguma desgraça só se fosse de acidente de viação, mas quem fazia este tipo de transporte, eram pessoas com muita experiência. Já pensava nas tarimbas, nos colchões de palha e nos percevejos. Mal por mal preferia estes.
Ao outro dia fui ter com o Abílio (Rangel). Agora morava no bairro Popular, perto da igreja. Voltou a oferecer-me guarida. Aceitei e assim deixei os percevejos até ao dia dois de Abril.

Marginal de Luanda

Quando queria encontrar os meus companheiros ia até à cervejaria Portugália. Lá nos encontrávamos.
O Rocha, soldado condutor Auto-rodas, foi transferido para o quartel dos Adidos, tinha tido um acidente de viação, ainda não estava resolvido o processo e não podia embarcar connosco. Tive pena éramos como irmãos, hoje encontramo-nos com frequência ou na casa dele (Praia da Granja) ou na minha.

Na Marginal  de Luanda


Luanda era uma cidade bonita e moderna. O nível de vida era bom. Os restaurantes, cervejarias e cafés estavam sempre cheios de gente. Comia-se bem e o preço não era por aí além - como é uso dizer-se aqui na minha terra. Muitas vezes não precisávamos de jantar. Na avenida dos Combatentes havia um snack-bar que oferecia como aperitivo um pires de feijoada à moda do Porto, sempre que era pedido um fino. Bebíamos uns poucos e já não precisávamos de jantar.
Nos dezassete dias que lá passei corri um pouco de tudo. Vi dois jogos de basquetebol no mesmo dia. Estava-se a disputar o campeonato Nacional, no pavilhão dos Coqueiros. Eram quatro equipas. O Sporting de Lourenço Marques, o Sporting de Portugal, o F. C. Luanda e Sport Lisboa e Benfica. No estádio com o mesmo nome vi o Atlético, de Lisboa, com o F. C. Luanda.
Fui uma noite ouvir fado e à boite Veleiro, na Ilha. Percorríamos os bairros Operário, Marçal, no Popular vivi estes dias.
Quando à noite ia para casa passava pela Feira Popular, junto à sétima esquadra, que decorria nesse período. Com esta vida podia bem mas estava ansioso pelo regresso. 

Aeroporto de Luanda (hoje, 4 de Fevereiro)


Até que chegou o dia três de Abril. Na véspera tinha-me despedido do Abílio e esposa, para mim foram como pais, - com a descolonização vieram para a minha terra, quando casei foram meus convidados.
Pelas nove horas saíamos para o aeroporto de Luanda, hoje “quatro de Fevereiro” para embarcamos. Recebemos a notícia que não era a essa hora por causa de uma avaria no avião. Azar o nosso. Como já não contavam connosco para o almoço tivemos de comer ração de combate.
Estava farto deste tipo de mantimento. Não comi quase nada. Só tinha sede. Como tinha gasto todos os Angolares não tinha dinheiro para beber. O Barroso, que muitas vezes serviu de meu banco, lá me pagou umas, Coca-Cola.
Chegou a tarde comecei a sentir uns calafrios. Tive receio de ser o paludismo. Tinha de me de fazer forte até entrar no avião. Fui ajudado pelos meus colegas rádios telefonistas.
O avião Boeing 747 era enorme. Aqui não tivemos ninguém a dar-nos a despedida. Os motores já trabalhavam para fazer o aquecimento e de repente dizem! Senhores passageiros por favor apertem o cinto, vamos iniciar a viagem Luanda - Lisboa, com a duração provável de nove horas.
Agora o barulho dos motores é descomunal. Iniciou a subida por volta das quinze horas e quarenta minutos. Deu duas voltas a Luanda. Com isto pudemos ver como era bonita!

Que saudades tenho dela. Em conversa com amigos, os que tiveram a sorte de não ir à tropa, ou ao ultramar - como se usa dizer - admiram-se de fazer tanta referência a Angola. Dizendo que não compreendem tal entusiasmo. Não lhes chamo hipócritas. Só em pensamento. Deixei lá quase dois anos, dos melhores anos da minha vida.
Rumamos a Lisboa tendo chegado à uma hora e quinze minutos. Fomos transportados para o R. A. L. 1, para fazermos o espólio e quando vou a descer da viatura, ouço uma voz: - vem aí o soldado Manuel Pacheco? - Era a voz inconfundível do meu pai, que ali me foi esperar.


Fim

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