Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

terça-feira, 18 de novembro de 2025

HÁ QUE CHAMAR OS “BOIS PELOS NOMES”!... É PRECISO "ELIMINAR O MONSTRO”...

- CABE POR ISSO AGORA AOS PARTIDOS DEMOCRÁTICOS QUE FALHARAM, A RESPONSABILIDADE DE CORRIGIREM A ROTA...

"George Orwell não escreveu “O Triunfo dos Porcos” para entreter crianças!... Escreveu-o para alertar adultos, oferecendo-lhes uma fábula que funciona como espelho de metal frio — um espelho onde se reflecte aquilo que muitos preferem não ver.
Um espelho, que mostra como o PODER, quando colocado nas mãos de quem não resiste à tentação, se converte primeiro em mentira, depois em fraude, e por fim em tirania. E o que é verdadeiramente inquietante, é perceber que apesar de ter sido escrito há quase oitenta anos, há ainda gente por esses países fora, que continuam a repetir a mesma história, embora com protagonistas diferentes. E em Portugal, como ontem se viu no debate entre António José Seguro e André Ventura. passa-se o mesmo. É um dos tais países, em que a extrema-direita neo-fascista não cresce porque tem razão; cresce, porque o país foi deixado ao “abandono político”.
A ascensão da extrema-direita entre nós não é por isso um fenómeno súbito, nem um capricho estatístico. É sim, o resultado de décadas de erosão silenciosa de líderes que falharam no essencial, de promessas que se desfizeram em gabinetes ministeriais, e de gestos que traíram a confiança de quem os elegeu.
Numa democracia, o Poder raramente se perde para os radicais pela força dos radicais — perde-se, porque os moderados adormecem, os responsáveis desistem e os governantes se esquecem de que o cargo não é um ADORNO, mas um DEVER perante o povo.
E a verdade é esta: Durão Barroso foi o primeiro grande prenúncio deste cansaço democrático!... Escolhido para governar Portugal, trocou o país por uma carreira dourada em Bruxelas. Foi a primeira grande ferida contemporânea na confiança popular - a percepção de que o compromisso com a Nação é descartável quando surge uma oportunidade pessoal mais vantajosa. E o eleitorado entendeu bem essa mensagem — e não a esqueceu.
Depois vieram Sócrates e Passos Coelho, cada um com o seu desastre particular: um afundado em suspeições éticas que derrubaram a confiança nacional; o outro transformando a austeridade num flagelo moral, aplicado sobretudo a quem menos tinha para dar. Dois projectos diferentes, duas crises distintas e o mesmo resultado: milhões de portugueses concluíram que a política deixara de ser um espaço de serviço, para se tornar um território de promessas violadas.
Mas foi com António Costa que a democracia sofreu o golpe mais profundo. Eleito com uma maioria absoluta rara, confiada que lhe foi pelo povo para garantir estabilidade, Costa abandonou o mandato com a leveza de quem fecha uma gaveta. A justificação — “um Primeiro-Ministro não pode governar sob suspeita” — foi um puro exercício de hipocrisia política. Se esse princípio fosse válido, bastaria uma denúncia anónima para paralisar Governos, travar Estados e transformar suspeições em instrumentos de chantagem institucional. Costa não saiu por dever; saiu por cálculo. Salvou-se a si e sacrificou a estabilidade do país. E ao fazê-lo, abriu a porta que a extrema-direita atravessaria triunfante.
Depois, a essa abdicação, somou-se a hesitação fatal do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa, profundo conhecedor da Constituição, sabia que podia substituir o Chefe do Governo e preservar o Executivo legitimado pela maioria absoluta recém-eleita. Era a opção mais racional para garantir estabilidade institucional e respeito pela vontade popular. Só que Marcelo preferiu dissolver o Parlamento: um gesto teatral em detrimento do dever constitucional. Esta dupla renúncia — a do Primeiro-Ministro e a do Presidente — criou um vácuo de autoridade que a extrema-direita aproveitou com a destreza de quem vive dos erros dos outros.
E chegamos então ao Chega!... Chega que não nasceu grande — mas cresceu porque o deixaram crescer e engordar. Alimentou-se da desesperança, da frustração e do sentimento de que “os políticos são todos iguais”. Foi nesse terreno abandonado, que André Ventura emergiu como um aspirador de ressentimentos, misturando demagogia com insulto, mentira com espectáculo e ódio com aplauso fácil.
A sua retórica, saída das catacumbas do neo-fascismo europeu, sempre teve como objectivo ressuscitar fantasmas perigosos: fala de “pureza” como se Portugal fosse um laboratório homogéneo, ignorando — ou fingindo ignorar — que o ADN português é desde sempre, o resultado do encontro de povos: africanos trazidos à força já nos tempos da Monarquia, judeus, indianos e ciganos já radicados há séculos, e europeus e americanos do sul, de todas as latitudes. Falar de “pureza” em Portugal não é apenas idiota; é historicamente falso, moralmente criminoso e uma repetição inquietante do discurso nazi e de Adolf Hitler, em relação aos judeus.
Mas Ventura não se limita a falsificar a História. Tenta simultaneamente colonizar mentalidades frágeis com o seu falso messianismo securitário. Sei por experiência própria, o estrago que esse discurso provoca dentro das próprias Forças de Segurança. Em vez de defender a Polícia, Ventura transforma os agentes em peões de uma guerra política. Incentiva intervenções imprudentes, aplaude excessos antes sequer de serem investigados, e cria um clima de pressão que coloca em risco quem trabalha na rua.
Ventura não apoia as Polícias: procura manipula-las. Não as valoriza: instrumentaliza-as. E quando a imprudência corre mal — como inevitavelmente sucede em muitos casos — lava as mãos como Pilatos, deixando agentes expostos e recolhendo dividendos políticos dos conflitos que ajudou a incendiar.
Tudo isto já seria grave por si só. Mas torna-se dramático, quando percebemos que no discurso do Chega, existe um desprezo absoluto pelas instituições democráticas — Parlamento, Presidência e Tribunais — acompanhado de uma ânsia de violência simbólica e de uma obsessão permanente contra os seus “inimigos de estimação”: pobres, ciganos, imigrantes, desempregados, funcionários públicos, dependendo do tempo e da oportunidade.
Este, é pois o retrato fiel do que Orwell denunciou: líderes que começam por prometer justiça e terminam por impor medo.
A democracia portuguesa corre por isso um risco real — não pela força dos radicais, mas pela inércia dos PARTIDOS DEMOCRÁTICOS que permitiram que o terreno lhes fugisse debaixo dos pés. É por isso, que mais do que crítica, se impõe um aviso: cabe agora a esses mesmos PARTIDOS que falharam, a responsabilidade de corrigir a rota. Não por medo do Chega, mas por respeito ao país.
A política não precisa de ser perfeita, mas tem de ser séria. Tem de cumprir. Tem de prestar contas. Tem de voltar a merecer confiança.
E exige-se também responsabilidade ao Ministério Público, que não pode permanecer silencioso perante denúncias, irregularidades e suspeitas que envolvem o partido Chega. A lei é para todos — inclusive para quem grita que quer “dar cabo do sistema” e afirma que Portugal “precisa de três Salazares”.
Cabe ao Ministério Público investigar, e ao Tribunal Constitucional decidir. Assim funciona — ou deveria funcionar — um Estado de Direito.
No final de O Triunfo dos Porcos, as criaturas que libertaram a quinta acabaram transformadas exactamente naquilo que tinham jurado combater. Subiram às mesas, beberam com os antigos opressores, copiaram os seus vícios e tornaram-se a sombra grotesca da tirania que haviam derrubado. Quando os animais olharam para os porcos e depois para os homens, já não conseguiam distinguir uns dos outros.
Portugal está nesse momento crítico em que as sombras começam a confundir-se com os vultos. Se a democracia não quiser repetir o destino da Quinta do Solar, os democratas terão de fazer aquilo que deixaram de fazer: governar com decência, cumprir o que prometem e defender o povo que os elegeu.
A democracia “não cai quando os porcos se levantam. Cai quando os homens se deitam."
(FotoRTP)

Sem comentários:

Enviar um comentário