Um dos problemas que estão colocados nas eleições de domingo na Ilha da Madeira e nas nacionais de 18 de maio é a validação, ou não, por parte dos portugueses, de que é aceitável ter, como presidente do Governo Regional, alguém que está a ser investigado criminalmente ou, como primeiro-ministro, uma pessoa que exerceu o cargo ao mesmo tempo que a empresa familiar que criou continuava a receber dinheiro dos clientes que angariara.
A questão não está, de maneira alguma, em perceber se Miguel Albuquerque ou Luís Montenegro têm culpas ou não têm culpas no respetivo cartório, a questão está é em perceber se uma mera suspeita relevante (e ambas, nos dois casos, são relevantes) está a ser julgada pelo eleitorado no escrutínio eleitoral.
Note-se que há um precedente com pouco mais de um ano, a demissão de António Costa, primeiro-ministro de um governo com maioria absoluta, que saiu apenas por a Procuradoria-Geral da República ter anunciado que tinha aberto um inquérito à sua atuação, sem especificar crimes ou suspeitas, cuja conclusão ainda não se conhece. Alegou Costa que um primeiro-ministro, mesmo com indícios tão frágeis, não podia governar sob suspeita. Fez bem.
A questão que coloco é esta: o eleitorado, domingo na Madeira, e a 18 de maio a nível nacional, vai, inevitavelmente, decidir qual é o padrão que, daqui para a frente, vai valer: o conceito de que nos cargos executivos de maior poder, o de primeiro-ministro e o de presidente do Governo Regional, não podem estar pessoas debaixo de suspeita ética ou criminal ou se, pelo contrário, a margem de tolerância para com esse tipo de suspeitas é bastante mais larga e, portanto, passa a ser quase impossível abrir crise políticas por motivos desse tipo.
Se Miguel Albuquerque e Luís Montenegro ganharem as eleições, o paradigma da irrepreensibilidade ética e pessoal que supostamente sempre acompanhou na história da nossa democracia os candidatos a presidente do Governo Regional e a primeiro-ministro (mesmo que, mais tarde, se tenha verificado que não era bem assim) rompe-se, a tensão que cai sobre esses políticos de topo para manterem a sua vida pessoal, empresarial e pública devidamente compartimentadas e imunes a dúvidas e especulações vai, definitivamente, perder-se.
Se isso acontecer, há, portanto, uma mudança de paradigma moral na nossa democracia, que talvez na prática já estivesse perdido, mas que pelo menos em teoria ainda prevalecia.
Mesmo inocentes, se Miguel Albuquerque e Luís Montenegro, depois de tudo o que se passou, se disse e se escreveu sobre eles, ganharem as eleições, tal significa que o eleitorado ou se está nas tintas para o crime e para a ética na política, ou acha que esses comportamentos são transversais a todos os partidos e, por isso, não influenciam votos.
Seja como for, será lamentável e decadente.
Pedro Tadeu
Jornalista
Publicado a: 21 Mar 2025, 00:16
No DN
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