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domingo, 9 de março de 2025

O caso Montenegro (7): A empresa "avatar":

[Fonte: aqui]
1. Expresso de ontem volta a fazer derivar indevidamente a provável violação da exclusividade governativa pelo Primeiro-ministro, do facto de ele ter continuado a ser o dono da Spinumviva, em parceria com mulher e filhos. 

Ora, se isso bastasse, então não haveria mais nada a apurar, visto que é incontestável que a empresa foi criada por ele e que a tentativa de a transmitir à mulher é nula, sem nenhum efeito, pelo que continuou a pertencer-lhe. Mas, como tenho procurado explicar desde o início, a propriedade de uma empresa por um governante não basta, só por si, para violar a regra da exclusividade. 

Entendamo-nos, portanto: 1º - como qualquer cidadão com meios para o fazer, o PM pode ter licitamente as empresas que quiser, desde um restaurante a uma clínica, a título pessoal ou através de uma sociedade, e beneficiar dos respetivos proventos, desde que não lhe caiba a respetiva gestão; 2º - no caso da Spinumviva, porém, todos os indícios (incluindo os serviços prestados, os seus clientes, a sede no seu domicílio pessoal e o contacto dela por via do seu telefone pessoal) apontam para que tal empresa não passou de uma solução de fachada, uma ferramenta, para permitir que ele próprio continuasse a prestar os SEUS serviços profissionais aos SEUS clientes por interposta sociedade, ou seja, entre outras vantagens, para fingir uma separação pessoal em relação à sua atividade.

Em suma, não tendo nenhuma autonomia em relação ao seu fundador, a Spinumviva não era mais do que uma metamorfose na apresentação externa daquele, um "avatar" do advogado Luís Montenegro, para continuar a sua atividade profissional e beneficiar do seus proventos.

2. Há duas noções que todo o estudante de direito aprende logo no 1º ano do curso, como exemplos de "patologia jurídica": o "abuso de direito" e a "fraude à lei". O que eu defendo, face aos indícios conhecidos, é que, muito presumivelmente, a Spinumviva constitui um caso de abuso da personalidade jurídica coletiva, instrumentalizada para defraudar a regra da exclusividade do PM (além das não negligenciáveis vantagens fiscais e da possibilidade de imputação de despesas pessoais à pseudossociedade).

Recorrendo à conhecida relação "principal-agente", que é corrente na economia e na ciência política, no caso da Spinumviva (como se argumenta AQUI), o seu criador manteve-se como o "principal" da organização, sendo os seus colaboradores na prestação do serviço puros "agentes" seus (mas sem os custos da "assimetria de informação", normalmente associada a este tipo de relações, dados os conhecimentos do "principal" neste caso), enquanto os familiares não passaram de simples figurantes na encenação, sem nenhum papel na empresa.

Em suma, como venho escrevendo, tudo indica que a Spinumviva é uma ficção de sociedade comercial, sendo verdadeiramente uma longa manus ou um alter ego de Montenegro.

3. Se os indícios são fortes, a sua comprovação, porém, só pode ser conseguida através da análise aos contratos, às comunicações, à agenda e à contabilidade da suposta empresa, para verificar o seu negócio, as suas receitas (e seu destino) e suas despesas (incluindo na aquisição de bens e serviços). 

Parece óbvio que a moção de confiança precipitadamente apresentada por Montenegro - que, a ser rejeitada, levaria à dissolução parlamentar - só pode ter por motivo principal fazer caducar o inquérito parlamentar requerido pelo PS para apurar essas questões, para se furtar ao seu escrutínio.

Resta, por isso, saber se, perante a má-fé do Governo, não seria melhor para o PS, em vez de manter forçadamente a antiga posição de voto contra, optar pela abstenção, impedindo a dissolução parlamentar e permitindo manter o inquérito parlamentar, desfeiteando a manobra política do Governo.

Adenda
Esta extraordinária declaração de Luís Montenegro, de que «não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português» é uma confissão implícita. Na verdade, como escrevi no início deste "caso", aquilo que muitos profissionais liberais fazem - que é criar empresas pessoais/familiares para prestarem os seus serviços em nome delas, serem pagos através delas e beneficiarem de redução de impostos e da imputação de despesas pessoais - podia ser feito pelo advogado Luís Montenegro, mas não podia ser continuado pelo PM, sob pena de violação da exclusividade a que está obrigado e de conflito de intereses, entre o interesse público que lhe cabe de prosseguir e os interesses económicos dos clientes que lhe pagam as generosas avenças.  Ao contrário do que defende Montenegro, o PM não pode fazer o que "qualquer português" pode fazer, quanto mais não seja por uma questão de ética política, que neste caso foi manifestamente posta na gaveta.
Publicado por Vital Moreira

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