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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Marques Mendes, o pontífice e o seu rebanho:

«José Sócrates, o País já não tem uma dúvida a esse respeito, usa e abusa das manobras dilatórias. Quer dizer, tem um conjunto de direitos que a lei lhe dá mas abusa desses direitos. Portanto, recursos, reclamações, um conjunto de incidentes. Com o objectivo de adiar o mais possível o julgamento, e até de tentar que o processo vá prescrevendo; ou seja, que vá acabando na secretaria. Este caso também mostra que há uma justiça para ricos e outra para pobres. Isto não é fazer demagogia, é objectivo, é óbvio. Quem tem dinheiro, tem recursos, e portanto pode pagar a advogados e ter outro tipo de despesas, consegue tudo isto. Que a lei vai permitindo, mas que eu acho que é um abuso da lei.

[...]

Isto não é justiça nem é combate à corrupção. O segundo ponto aqui importante é o seguinte. O caso José Sócrates, mas também há outros casos. Quer dizer, em Portugal eu acho que tem que haver outra prioridade no combate à corrupção. Nas investigações e nos julgamentos. É um problema das leis estarem desadequadas e permitem manobras dilatórias, então é preciso haver a coragem de fazer alterações às leis para impedirem estas situações.

[...]

Olhe, na semana passada eu disse aqui uma coisa e queria repetir até porque me perguntaram. Disse aqui: o futuro Presidente da República, seja ele qual for, ninguém sabe quem vai ser... mas eu acho que tem de ser, com a fragmentação que há no nosso Parlamento, tem que ser um construtor de pontes, aproximar posições para se resolver algumas questões, para se fazer algumas mudanças. Agora, perguntado onde, aqui está um exemplo, dos prioritários: combate à corrupção! Tem que ser mais firme e tem que ser mais rápido, nas investigações e nos julgamentos, mudando as leis, não para retirar direitos às pessoas mas para evitar os abusos, abusos, que é isso que se trata!»

Marques Mendes

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Tudo claro como água. Marques Mendes está em campanha eleitoral para as próximas presidenciais, deseja ser a escolha do PSD. O seu marketing já tem um primeiro slogan e jornalistas propagandistas: “construir pontes“. A outra banda onde pretende chegar nesta fase de lançamento é o Chega e a restante direita decadente que se arregimenta bovinamente ao som da palavra “corrupção”. Um tipo de corrupção, explicou entusiasmado este conselheiro de Estado, que se resolve mudando as leis.

Como é que a corrupção pode acabar, ou sequer ter alguma redução, através da legislação? Não pode, como toda a gente sabe, a começar pelo Marques Mendes. Mas isso não o impede de prometer tal violando os direitos de personalidade de Sócrates. Tratando esse cidadão como se já estivesse condenado por corrupção e com a sentença transitada em julgado, dá para reduzir o problema da corrupção ao outro problema de se ver quem se considera inimigo político a defender-se usando as leis. Aqui chegados, por uma das pontes móveis que construiu num estúdio da SIC, fica realmente simples reduzirmos esse tipo de “corrupção”: basta reduzir os direitos e garantias dos restantes cidadãos. Sim, é outra vez o Estado de direito a ser transformado, pelas vedetas da indústria da calúnia, numa coisa desprezível que serve os interesses da bandidagem, que a protege, que impede a sua caça e castigo — eis o subtexto que agita em sinal aberto.

O senhor promete, se eleito Presidente da República, que o “combate à corrupção” passará a ser mais “firme” e mais “rápido”, e isto tanto nas “investigações” como nos “julgamentos”. A partir do Palácio de Belém, ele irá obrigar o Parlamento a fazer leis anti-Sócrates, o corrupto abusador da legalidade. A beleza, até magia, da sua retórica é que não tem de explicar ponta de um corno acerca do que as actuais investigações, a cargo do Ministério Público, e actuais julgamentos, a cargo dos juízes, terão de frouxo e lento. Mas a pulharia e os broncos dispensam interprete porque falam a mesma língua. Um tronco de árvore grosso e uma corda à mão é a imagem prototípica da tal justiça “firme e rápida” que o ilustre advogado dá a papar à iliteracia e ódio político do seu público-alvo.

A parte em que denuncia haver uma “justiça para ricos e outra para pobres”, detalhando que na primeira consegue-se recorrer às tais leis que só existem para realmente serem usadas, é de antologia. E concordo muito com o seu aviso de não estar a fazer demagogia ao tocar essa cassete populista. Fazer demagogia ainda implica algum esforço cognitivo, conduzir o gado para o curral apenas pede uma vara na mão.

 por Valupi

Do blogue Aspirina B

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