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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Ontem ouvi o debate entre António Garcia Pereira e Luís Rosa:

Confesso que não conhecia Luís Rosa. Ouvi e fiquei impressionada com o que assisti, até mal disposta, assim que Garcia Pereira terminou mudei para o charmoso detective Grace, e sua irresistível melancolia. À ironia de Garcia Pereira, Rosa respondeu levantando a voz, interrompendo, ofendendo, rindo com escárnio. O estilo da violência verbal está a banalizar-se.
Sobre a substância. Garcia Pereira argumentava contra a delação premiada, e contra os julgamentos nos jornais, que o Ministério Público não pode ser um poder não escrutinado, isto ainda é uma democracia, enfim burguesa liberal, mas com os mínimos, e lembrando que antes de mais a justiça é uma questão social, e não criminal, e o processo penal já contem negociação com criminosos, e não prendas para estes bufarem.
Entre a sua resposta, Luís Rosa defendeu que há um jornalismo judiciário, de justiça - atentem nestas palavras. Fui ver quem era Luís Rosa, que achei, até aí, que seria advogado e do Chega. Fiquei a saber que é jornalista, apresenta-se como formado em ciências da comunicação na Uni. Lusófona e especialista em justiça e corrupção, do jornal Observador.
Perguntei logo pela manhã a quem sabe da poda, do jornalismo como ele é. Resposta: não há jornalismo de justiça ou judiciário. Isso é a morte do jornalismo. 1) Se o jornalismo se quer especializar em justiça vá à Cova da Moura ou peça a abertura de contas públicas (facto que aliás o Garcia Pereira também referiu, com esta dança de cadeiras publico e privado e a opacidade do Estado a corrupção não é possível ser combatida). Mas veio mais na resposta da minha conversa matinal 2) Jornalismo judiciário é tão mau como jornalismo parlamentar, Portugal é uma trágica comédia em matéria de esfera pública. O jornalista pode ter como fonte a Ministério Público, mas especializar-se em crimes do Ministério Público é acabar com a independência do jornalismo. É como ouvir em microfone os deputados. Aquilo que eram meras fontes tornam-se as origens da "notícia", ou seja, comunicação de instituições. Ora, só há jornalismo se for totalmente independente das instituições (das empresas e do Estado). 3) E mais, o jornalismo não julga. Isso fazem tribunais, se julga não é jornalismo.
Nota final: ver um jornalista do Observador alegrar-se com a delação premiada não me surpreende. Foi também o Observador que se encantou com as "denúncias" do Metoo. Surpreende ver gente de esquerda defender tais práticas em nome das vítimas não percebendo que no futuro esta será uma sociedade de medo, de denúncia, de delação. Se não pararmos isto. A palavra "denúncia" está agora por todo o lado. Pode o MP através de fugas e os jornais actuarem como justiceiros nas ruas?
Um Almirante candidato como príncipe perfeito, sem noção sequer do ridículo, um MP inescrutável, a associação da denúncia à palavra justiça e vítima, e especialistas em comunicação que julgam. E gritam.
O aroma nauseabundo da extrema direita está a perfumar a nação, as classes dirigentes do Estado e das empresas querem uma representação política “forte e estável”, que atropela direitos em nome da “eficácia”, na sua luta no mercado mundial, estão em guerra pelo investimento e lucros, e todos os meios são válidos. Estão contra a justiça social, querem um Almirante de mão dura contra greves, estão contra a democracia no trabalho, querem denúncias. Estão contra a democratização da justiça, não dizem uma palavra sobre acesso à justiça, querem ser eles a "julgar" na praça pública.
Raquel Varela

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