Tarde, William Morris, socialista romântico, do século XIX, que criou as artes decorativas, sob o lema tudo o que é útil deve ser belo e deve dar prazer a fazer, construir, desenhar. Não queremos uma humanidade de operários que montam prateiras da Ikea, todas iguais, frágeis, de formas geométricas, e que se partem ou apodrecem, à velocidade da remuneração dos capitais. Queremos sim que cada prateleira seja de madeiras nobres, dure muitas vidas, muito mais do que a nossa, fique como memória do que fomos, e seja desenhada, construída por um artesão, que teve assim prazer em trabalhar. E terá a forma das suas mãos e do seu cérebro, únicos e irrepetíveis. Operários de Todo o Mundo Uni- vos e tornai-vos Artesãos!
Esta é a minha prateleira William Morris, nascida dos pedaços que a minha mãe, Carolina, Engenheira Florestal, guarda, porque tudo se transforma, nascida das conversas dela com o nosso carpinteiro, o artesão Jorge. Fomos à sua oficina, falámos com ele sobre a família, comentámos o tempo, a política e o frango na púcara, e - por certamente mais de uma hora - conversámos, entre os três, que prateleira podia nascer daqueles pedaços de madeira.
Nasceu uma do Gaudi, esta, com o formato deixado pelos curvas sensuais da árvore. Que a minha mãe e o Jorge conceberam, o Jorge construiu, e que uma máquina nunca poderia ter feito. O Jorge foi mais feliz nesse dia, a minha mãe, claro, que sabe que tudo se transforma, e eu e todos os que aqui vêm a casa e admiram esta arte.
Texto no JN Magazine para a publicação a propósito do meu romance O Canto do Melro (Bertrand, 2024) sobre a vida de um também artesão das almas, socialista romântico, o Padre Martins.
Raquel Varela
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