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segunda-feira, 29 de julho de 2024

Os índios da praia de Abel:

(...) Confesso que em pequeno, me fazia muita confusão, ver aqueles homens de tanga e de flecha, serem os maus da fita, enquanto os pobres coitados dos heróis eram ‘’cowboys’’ armados até aos dentes, com enormes arsenais balísticos… (...)
Há dias Abel Ferreira, treinador português do Palmeiras, usou de forma infeliz a expressão: ‘’esta não é uma equipa de índios’’, para explicar que a sua equipa é organizada, equilibrada e com princípios de jogo.

Por Ricardo Jorge Neto

OPINIÃO

Depois destas palavras, a sociedade brasileira reagiu com repúdio, tendo o próprio Abel Ferreira pedido desculpa de imediato, frisando que não aceita qualquer forma de preconceito e discriminação, assumindo o seu erro. 

Mas a bola do politicamente correcto começou a girar, e levou tudo à frente, com a Ministra dos Povos Indígenas, Sónia Guajajara, a reagir de forma veemente contra as declarações de Abel, recordando de novo a questão das reparações históricas de Portugal ao Brasil… 

Mas voltemos atrás para compreender a origem desta expressão tão errada e tão sem fundamento.
Tudo começou quando Cristóvão Colombo alcançou as Américas, e, pensando que chegara à Índia, chamou àqueles povos: ‘’índios’’. 

Infelizmente, a imagem, trazida pelos europeus sobre os povos indígenas de toda a América, foi o retrato de povos selvagens. Esta imagem perdurou durante séculos, e foi ainda exponenciada nas telas do cinema, durante o último século, quando nos filmes de western, os povos indígenas eram retratados como gente perigosa e rude.

Confesso que em pequeno, me fazia muita confusão, ver aqueles homens de tanga e de flecha, serem os maus da fita, enquanto os pobres coitados dos heróis eram ‘’cowboys’’ armados até aos dentes, com enormes arsenais balísticos… Com este contributo do cinema, a conotação de ‘’índios’’ a selvagens foi ainda reforçada, e expressões como a que Abel Ferreira utilizou, são ainda hoje empregue por cá, sempre que alguém pretende classificar um grupo de pessoas como selvagens.

E foi o que aconteceu com os moradores do Bairro 25 de Abril, imortalizados na canção de José Afonso: ‘Os índios da meia praia’, que retratava as pessoas deste bairro de pescadores na Meia Praia, em Lagos. 

A pobreza e as suas casas, que aparentavam palhotas, valeu-lhes a alcunha de índios, que não é um problema para os moradores! O verdadeiro problema para estas pessoas é o facto de estarem à espera há 50 anos que legalizem os seus terrenos…

Deixo a pergunta, será que estão à espera que alguém construa um resort, para despejar aquelas famílias já na quarta geração…

Voltando aos índios, e para terminar, deixo esta curiosa visão sobre ser ou não ‘’índio’’. 

Um dia, o filósofo Slavoj Zizek contou um diálogo que ouvira em Montana, entre um liberal branco e um nativo americano, que se apresentava como índio. Dizia o homem branco:

- Não és índio. És um nativo americano. Não sabes disso? Estás a humilhar-te!

Respondeu o índio:

- Nativo americano é muito mais racista. Índio, pelo menos, é um monumento à estupidez do homem branco, que chegou à América pensando que chegara à Índia… 

Opinião Ricardo Neto

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