Estamos cada vez mais próximos de uma guerra frontal entre a NATO e a Rússia. E que fazem os nossos governos? Exercícios de pensamento mágico e de reescrita da história! Em vez de falarem com a Rússia para evitar a hecatombe, encenam uma sinistra “celebração” do dia D, transformando a Rússia, que foi o país chave na derrota do nazismo, num ausente saco de boxe. Depois simulam uma “cimeira da paz”, em que a intervenção decisiva foi a presidente polaco, Andrzej Duda, ao revelar o verdadeiro objetivo do conclave: “descolonizar” a Rússia, parti-la em pequenos Estados independentes, como ocorreu na URSS…
Há 10 anos antecipei no DN o que está a acontecer: “Em 1985 publiquei um livro sobre o risco de guerra nuclear limitada na Europa (Europa: o Risco do Futuro). (….) Todos os especialistas que consultei me confessavam, em privado, ser inevitável, mais tarde ou mais cedo, uma guerra central com armas nucleares (...) Duas semanas depois da saída do livro, Gorbachev assumiu o comando da URSS. Então, aconteceu um milagre: Gorbachev preferiu salvar a paz, mesmo arriscando sacrificar o império soviético. Não só a Alemanha se reunificou, como a Rússia deixou, pacificamente, partir os seus aliados e fragmentar a sua federação. Gorbachev esteve em Berlim, para comemorar os 25 anos da queda do Muro [em 2014]. Mas ninguém o escutou quando este acusou o Ocidente de ter traído a Rússia, cercando-a com a NATO. A UE, ao patrocinar a insurreição de rua contra o governo legítimo de Ianukovich [Kiev, fev. 2014], violou uma regra básica das relações internacionais: não se humilha um potencial inimigo, se não o queremos enfrentar. As vozes ensandecidas no Ocidente que querem combater Moscovo, até ao último soldado ucraniano, não percebem que é a atual fragilidade da Rússia que faz aumentar a probabilidade de uma escalada bélica poder conduzir, no limite, a uma guerra nuclear na Europa.
Na verdade, a mesma liderança medíocre que vai arruinar a zona euro, talvez acabe por deixar mergulhar a Europa num mar de ferro e fogo. O milagre soviético não terá uma segunda edição russa” (“A Rússia não faz Milagres”, DN, 21 02 2015).
Os EUA viram na “santidade política” de Gorbachev um sinal de fraqueza e declararam-se vencedores da guerra-fria. Depois de décadas de humilhação diplomática, Moscovo seguiu Clausewitz. A invasão de 2022, visa “continuar a política por outros meios”. Para os russos, a destruição do Estado é absolutamente inaceitável. Um ataque em força da NATO sofre, por isso, de um paradoxo insuperável. Quanto mais próxima a NATO estiver da vitória, mais certa será a destruição mútua assegurada num inferno nuclear. O tempo escasseia para evitar este pesadelo.
Viriato Soromenho Marques
Professor Universitário
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