O que será um “círculo quadrado”? – uma expressão que usamos para referir um problema sem solução e até para sublinhar a impossibilidade natural de algo acontecer ou ser explicado. Aquela confissão para manifestarmos a nossa incapacidade para explicar acontecimentos para os quais não encontramos nenhuma luz, no meio de uma floresta de enganos que tantas vezes visitamos.
Ele avisou! E agora verificamos o profundo sentido do que nos falavam na catequese quando eramos crianças, o pecado mortal. Sim, porque estamos a falar da morte mais estranha e implacável, aquela que mata a dignidade de um ser humano e o obriga a viver com ela nos dias que a vida lhe dá – às vítimas de pedofilia.
O pecado mortal
É um pecado que destrói a caridade no coração da pessoa por uma infração grave à Lei de Deus. Desvia o ser humano de Deus. E é caracterizado por “três condições”:
- tem por objeto uma matéria grave;
- é cometido com plena consciência;
- e de propósito deliberado.
Estamos no domínio da negra realidade que não queremos encontrar, mas por ser evidente e clara impõe-se na comunidade porque afecta os nossos: as vítimas condenadas na sua intimidade a uma pena perpétua que raramente vem à luz do dia porque rumina a sua confiança impedindo-a de trazer o seu sofrimento à luz das palavras. Uma tragédia silenciosa.
O que é um padre?
“Na Igreja e para a Igreja, os sacerdotes são uma representação sacramental de Jesus Cristo, Cabeça e Pastor”, São João Paulo II.
Quando um padre é formado ele está preparado para emprestar o seu corpo e espírito, ou seja, todo o seu ser, ao Senhor, fazendo uso dele “especialmente nos momentos em que ele realiza o Sacrifício do Corpo e Sangue de Cristo quando, em nome de Deus, na Confissão Sacramental, ele perdoa os pecados.
O círculo quadrado
Ao destruir a caridade na sua relação pessoal, o padre pedófilo – com o poder de perdoar os pecados! – anula e evita a possibilidade da manifestação de Deus e perde – porque desperdiça – a oportunidade e a possibilidade real de em nome d’Ele falar e sobretudo de representar a Igreja que, tendo confiado nele, lhe entregou uma comunidade para servir
Transformado em “funcionário do altar”, o padre pedófilo administra os “sacramentos”, mantém o “emprego” e safa-se na vida, enquanto não é descoberto, e assim experimenta grande sagacidade na fuga à verdade pessoal. E por isso, desiste, de facto, com o empenho emocional dos cobardes, sem vergonha e sobretudo sem noção da honra, de perceber e aceitar o compromisso de quinta-feira santa que o deveria levar a pedir a resignação.
O padre pedófilo serve apenas para isto: provar e explicar o que é um círculo quadrado.
Lavar a lama
A iniquidade do padre pedófilo cobre de lama a Igreja que o acolheu. Ela treme na sua estrutura ao verificar o terramoto escondido – outras vezes, nem por isso – e que agora veio à luz do dia. Mas esperemos que a Igreja não espere pela “ajuda internacional” para intervir aqui.
A seu crédito tem a decisão (única no país) de ter criado uma “comissão (verdadeiramente) independente” para avaliar os casos conhecidos e entretanto comunicados. O relatório tem a clareza que a autoridade dos membros lhe conferiu.
Compete agora aos senhores bispos uma decisão rápida, clarividente, que esteja ao nível da preocupação dos crentes: a imediata suspensão de funções dos suspeitos já identificados.
A caridade com as vítimas
Acontece que o pecado dos padres pedófilos também é nosso. Eles fazem parte da nossa pertença, mas as vítimas também. E se destes padres deve tratar a hierarquia, das vítimas devemos ser nós. O sofrimento também é nosso, como a vergonha e a tristeza: há que encontrar e fazer caminho, com o cuidado de querer bem.
Até no meio de uma floresta muito negra há raios de sol que nos alimentam a esperança nos dias do amanhã. Permitem-nos ver, se calhar reconhecer, valores escondidos ou até esquecidos.
Refiro-me aos milhares de padres e outras pessoas que dedicam a sua vida no serviço eclesial e à sociedade portuguesa, na maioria das circunstâncias no âmbito do anonimato e ao serviço da comunidade. São exemplos solenes do almoço de quinta-feira que devem ser acarinhados por todos nós.
Por Arnaldo Meireles
Sociedade Justa
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