O Ocidente (alargado para integrar as antigas colónias inglesas de povoamento branco, a Austrália e a Nova Zelândia) é o único espeço civilizacional do planeta que erigiu a fé como fundamento da sua visão do mundo e da sua civilização e essa é uma das razões para o seu comportamento ao longo da História, desde as cruzadas às intervenções no Vietname e no Médio Oriente.
Os padres da Igreja sentiram necessidade de criar um corpo doutrinário oficial para fazerem a apologia e a defesa da fé e que servisse como instrumento de unificação dos vários povos europeus. Que servisse da “Carta” a um poder que se diria hoje supranacional. Roma foi escolhida como capital desse novo poder e os catecismos impõem a verdade obtida pela fé através dos padres seus difusores.
Os fundadores da patrística procuraram a conversão dos gentios e combateram as heresias com um discurso que convencesse as audiências pela fé, apresentando esta como sendo o resultado da razão. (Poderíamos considerar que os homens da alta idade média ainda se regiam pela razão para tratar dos seus assuntos, uma convicção que a patristica eliminou, impondo a fé!)
A patristica é a arte de apresentar a quadratura do círculo como fruto da inteligência e da razão. A demagogia e a manipulação das emoções assentam no velho discurso de normalizar o absurdo e fazer deste um dogma: ou acreditas ou na melhor das hipóteses és banido. Nos casos mais comuns serás julgado, torturado, queimado, fuzilado.
O pensador mais notável desse movimento foi Santo Agostinho, o bispo de Hipona (354–430AD) para quem não era possível ao homem conhecer todas as coisas por si mesmo, sendo necessário que uma revelação venha em auxílio de sua inteligência limitada, o que contradiz a afirmação bíblica do homem ter sido feito à imagem e semelhança de Deus. Para ele a razão tem limites, impedindo o ser humano de contemplar a “graça divina”, a verdade, o que apenas pode ser conseguido com fé nos padres. “A fé tem precedência sobre a razão e esta é guiada pela luz da fé que nos leva a confirmar e compreender aquilo que primeiro cremos”. Alguns séculos depois outro génio da patrística, Tomás de Aquino escreverá Fé e Razão. A fé sempre antes da razão. A política funda-se no princípio do acreditar e ter esperança, mesmo que não exista razão para acreditar, nem para esperançar. A fé não se justifica. Todo o discurso do poder é patrístico: acreditem e não pensem, é o que permanentemente nos dizem as televisões.
Vivemos no Ocidente uma época gloriosa da patrística com as verdade absolutas dos padres do acredita e tem esperança. Da precedência absoluta da fé sobre a razão. O primeiro grande momento de utilização desta velha técnica terá sido o das armas de destruição em massa no Iraque, testemunhada por dois videntes portugueses, Paulo Portas e Durão Barroso. Os homens e mulheres do mundo livre foram convocados em nome da fé em George Bush jr a acreditar a ter fé e a apoiar a invasão do Iraque.
A defesa da guerra na Ucrânia é uma cruzada patrística que envolve políticos e pregadores nos jornais e televisões. Temos de acreditar! Os céticos são do inimigo. Hereges!
A imposição da fé num pater é o programa de todas as ditaduras. É por esse caminho que o moderno patrismo de alta tecnologia nos está a conduzir. Condecorar um pequeno pater ucraniano com uma distinção que refere a Liberdade é um absurdo de fé em que ele se tenha convertido há poucos dias ou meses num defensor do que comprovadamente combateu, os direitos dos povos. A eventual condecoração ofende a razão, mas como é uma questão de fé não a discuto.
Carlos Matos Gomes
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