Os mentores destes processos — e há mentores interessados e financiadores — lançam uma campanha de descrédito sobre políticos e regimes com base em acusações de corrupção — a ideia-forte — e a partir daí é deixar a bolha crescer por si.
Em 17 fevereiro de 1992, Mário Chiesa, diretor de um asilo de Milão, filiado ao Partido Socialista Italiano, foi preso sob a acusação de receber subornos de empresários em troca de favores e de financiamentos ao PSI. Acusado pelo então primeiro-ministro Benito Craxi, também do PSI, de ser um “ladrãozinho” que levantava suspeitas sobre um partido que nunca tivera um membro condenado por crimes contra a administração pública, Chiesa vingou-se, declarando que queria colaborar com as investigações. Cumpriu a promessa e revelou que o albergue que dirigia era usado para captar fundos para o PSI, explicou as fraudes na construção da linha de metro de Milão, o sobrefaturamento nas obras do estádio San Siro.
A delação de Chiesa gerou um efeito dominó, e desvendou um amplo esquema de fraudes em obras públicas, doações de empresários a políticos em troca de favores e desvio de recursos de empresas estatais. A operação levou à extinção dos partidos que dominavam a política desde o final da IIGuerra, PSI, Democracia Cristã, Partido Social-Democrata Italiano e Partido Liberal Italiano.
As eleições subsequentes foram vencidas por um dos promotores da campanha contra a corrupção: o magnata da televisão Silvio Berlusconi. Populista que, como se sabe se envolveu em vários escândalos nos nove anos ininterruptos que governou a Itália! Até um palhaço (Beppe Grillo) entrou na política, entre outros oportunistas, que abriram caminho aos neofascistas. O resultado da campanha contra a corrupção foi a aniquilação da estrutura político-partidária e do modelo de democracia representativa que havia reconstruído a Itália segundo um modelo político de democracia e intervenção do Estado na economia e de justiça na distribuição da riqueza.
Partindo dos resultados (bons, segundo eles) da manobra política que esteve por detrás da mani pulite, e também da Lava Jato, no Brasil, anos mais tarde, que foi um copy past da “mãos llimpas”, conselheiros de políticos como Steve Bannon, o “pensador” de Trump, concluíram que, em grandes campanhas de manipulação é necessário usar a imprensa para “deslegitimar” os poderosos (um veneno que Trump está a provar agora) e que é ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações.
Na verdade, a democracia é o oposto desta tese: um poder judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, não populista, é condição indispensável à democracia, assim como uma opinião pública esclarecida e prudente, desconfiada da bondade dos lava jatos e dos campeões da limpeza. Estas operações de “incorruptíveis de bancada” escondem oportunistas autoritários, corruptos e sem quaisquer escrúpulos.
Mas porventura o mais grave destas campanhas é a criação da ideia da criminalização da política, do ódio à política (que segundo eles seria subsitutída por um regime de tirania em que o chefe seria o juiz e o carrasco — cujo modelo visível são as ditaduras islâmicas), promovida, justamente por um grupo de oportunistas que quer assumir o poder político, eliminando os hereges. Esta campanha em curso na comunicação social, de acusação na praça, e com condenações sumárias ao pelourinho, pretende a substituição do sistema democrático, de garantias processuais civilizadas, pelo autoritarismo punitivo que foi o da Inquisição. A acusações com base no argumento demagógico do combate à corrupção são as mais insidiosas de todas as mentiras políticas.
Carlos Matos Gomes


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